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Publicado em O Estado de S. Paulo. 01/05/1993

A ilusão da política salarial

Mais uma vez o Congresso Nacional tenta enquadrar as leis de mercado nas leis do Parlamento: a Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados pretende aprovar uma lei para reajustar mensalmente os salários pela variação do Índice de Reajuste do Salário Mínimo (IRSM) e conceder um aumento real de 3% todos os meses ao salário mínimo.

O argumento utilizado é o de que a maioria dos demais preços está indexada e que o valor do salário mínimo é irrisório. Os dois argumentos são verdadeiros. Mas a solução proposta é falsa.

Penso que o Congresso Nacional tem em mãos um instrumento muito adequado para resolver esse problema de forma bem melhor. Refiro-me à regulamentação do dispositivo constitucional que trata da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas. Vejamos por quê.

O que mais interessa aos trabalhadores é um aumento efetivo e duradouro de seu poder de compra. O que menos interessa é um reajuste ilusório que é dado no início do mês e comido pela inflação até o final do mesmo mês.

Esse aumento do poder de compra interessa também às empresas, aos desempregados e ao governo. Por meio dele, o mercado ganha mais consumidores; as empresas vendem mais e se expandem: e o governo melhora a arrecadação de impostos.

Na empresa privada, os aumentos reais de salário só podem vir de duas fontes: do lucro ou da produtividade. No setor público, apenas da produtividade – traduzida em economias de insumos e melhoria de resultados.

Ao determinar, por lei, que o salário mínimo terá um ganho real mensal de 3%, os parlamentares estão pressupondo haver empresas no Brasil que lucram ou que aumentam a produtividade em cerca de 50% ao ano – que é o resultado de 3% ao mês acumulados.

é difícil apontar uma atividade legal que dê 50% de lucro ao ano. Mais difícil ainda é ter ganho de produtividade dessa magnitude. O Japão que é campeão nesse campo, nos últimos cinco anos, tem alcançado 3,5% ao ano.

Portanto, os trabalhadores estão sendo levados a acreditar numa grande ilusão. Os empresários que pensam estar livres dessa imposição por não terem empregados ganhando salário mínimo também se enganam porque os 3% ao mês, acumulados, pressionarão toda a estrutura de salários em menos de seis meses.

Em suma, para pagar esse tipo de aumento real, sem passar esse adicional para preços, a empresa precisa ter 50% de lucro ou de ganho de produtividade. Se não tiver, ela terá poucas escolhas. Uma delas, é reduzir drasticamente seu quadro de pessoal. Outra, é simplesmente fechar antes de quebrar.

Na primeira alternativa, uma parte dos trabalhadores perde seus empregos. Na segunda, todos perdem. E, na eventualidade de a empresa passar o aumento para os preços, aí, então o País inteiro perde.

Mas, evidentemente, não se pode aceitar que tudo fique como está. O atual salário mínimo não passa de um deslavado insulto. é vergonhoso contar a um americano ou a um alemão que, no Brasil, um pai de família trabalha um mês inteiro para ganhar US$ 40!

O que fazer, então? Penso que chegou a hora de o Brasil abandonar de uma vez por todas a idéia de política salarial e partir para um conceito novo e que vem sendo usado nos países mais avançados – a "política de remuneração".

Uma política de remuneração parte do reconhecimento de que as leis do Parlamento têm seus limites ao pretenderem mudar as leis da economia. Feito isso, a política de remuneração se assenta em dois pilares básicos. O primeiro se refere ao ganho real. O segundo, à compensação da inflação.

O ganho real tem de ser matéria de negociação direta entre empregados e empregadores em torno dos lucros, resultados e ganhos de produtividade da empresa. Para legalizar esta matéria, no Brasil, falta apenas aprovar em plenário o projeto de lei sobre participação nos lucros que já passou por praticamente todos os crivos e conta até mesmo com a aceitação de empregados e empregadores.

A compensação da inflação já vem sendo feita de modo inteligente e não há nada a inovar nesse campo. Na verdade, o Brasil vem usando uma fórmula mista onde uma parte da inflação vem sendo reposta por lei (Lei 8.542 de 23/12/92) e a outra vem sendo negociada. Ou seja, as empresas que podem, estão reajustando salários em prazos menores do que o estabelecido na atual lei salarial – 60% a cada dois meses e recomposição do restante a cada quatro meses.

Portanto, o Brasil está maduro para implantar uma "política de remuneração", em que os reajustes continuem sendo feitos do modo acima descrito e o ganho real por meio da negociação de lucros ou resultados no nivel de empresa. Para tanto, as empresas terão de liberar os dados de seu desempenho para que os empregados saibam até onde podem ir na na sua pretenção de aumento real.

Um grande ganhador, nessa sistemática, será o governo, pois, os empregados transformar-se-ão em fiscais supereficientes das empresas, pondo um fim no "caixa dois" e em todas as demais formas criativas de sonegação e corrupção que, em última análise, diminuem a fatia dos trabalhadores. Quem desejar suborná-los ou cooptá-los terá de se preparar para correr um alto risco, pois sua vida ficará nas mãos de várias pessoas.

Está na hora, portanto, de acabar com os ilusionismos. O Brasil pode muito bem partir para uma política de remuneração séria e eficaz. Esta será tanto mais eficaz quanto mais a economia crescer. Por que iludir se podemos jogar com franqueza?