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Publicado em O Estado de S. Paulo. 06/07/1999

Metas de inflação e negociações trabalhistas

Não realização das reformas torna novo experimento no Brasil peculiar, atraente e emocionante

Canadá, Nova Zelândia, Suécia e Inglaterra são exemplos contemporâneos de países que adotam o sistema de metas como estratégia auxiliar no controle da inflação. As avaliações indicam que esses países conseguiram manter a inflação em níveis bastante baixos depois de adotada a referida sistemática (Frederic S. Mishkin e Adam S. Posen, Inflation targeting: lessons from four countries, 1998).

O Brasil acaba de fixar as metas de inflação em 8%, 6% e 4% para os anos de 1999, 2000 e 2001 – admitindo-se, nos três casos, uma variação de 2% para cima ou para baixo.

O guardião da metas será o Banco Central e os protagonistas, os agentes econômicos. Trata-se de um regime bastante sofisticado que exige grande disciplina por parte desses agentes. Empresários que aumentarem exageradamente os preços farão o Banco Central elevar os juros, o que diminuirá seus negócios, podendo pôr em risco a sua sobrevivência e a de outros empresários.

Trabalhadores que forçarem demais nas negociações trabalhistas provocarão nas autoridades monetárias a mesma reação que, ao forçar uma redução dos negócios, acabará instigando a destruição de muitos postos de trabalho.

O sistema de metas de inflação impõe um autocontrole das partes, tornando-as convergentes nas negociações trabalhistas. A disciplina é garantida pela atuação do Banco Central, o que coloca o comportamento de empresários e trabalhadores como refém da política econômica. A falta de disciplina, para ambos, redunda em um tiro no pé.

Outro aspecto positivo. A fixação dos 8% para 99 não é a senha para os empresários aumentarem os preços e para os trabalhadores reinvindicarem aumentos de remuneração que, no final das contas, cheguem àquela meta e muito menos aos 10%.

Pelo contrário, ao perceber a concretização de 6%, por exemplo, o Banco Central pode considerar oportuno disparar seu armamento, engrossando gradualmente o calibre das armas, para manter a inflação em 8% ou em 6%.

O grau de certeza no sucesso da nova sistemática, entretanto, esmaece bastante quando se considera a complexidade da realidade econômica e institucional.

1) O regime de metas baseia-se em credibilidade. Neste ponto, o papel do governo é fundamental. Mas, no caso em tela, o primeiro ato de indisciplina foi praticado exatamente pelo governo. Para uma inflação de 3,5% dos últimos 12 meses, os preços públicos explodiram para muito além dos 3,5% como é o caso da energia elétrica que subiu 16%, telefones 17%, gasolina 49% e os impostos em cascata, como a Cofins e CPMF, respectivamente, 50% e 90%. é difícil contar com o bom comportamento de empresários e trabalhadores quando o governo sai na frente dando o mau exemplo.

2) é igualmente difícil garantir que a interpretação das partes em relação as metas de inflação seja a mesma que se tem no plano teórico. O sentimento de que cada um, isoladamente, deve fazer sacrifícios para o bem de todos é de extrema sofisticação. No Brasil, a medir pelos índices de sonegação de impostos, a realidade está mais para o lado do salve-se quem puder do que para o do comportamento solidário. O Banco Central terá de usar um ferramental bastante pesado, e com muita antecipação, para obter o resultado desejado.

3) O fato de ter metas de inflação não significa que os reajustes de salários devam seguir a meta do ano. Eles podem variar, para cima ou para baixo, dependendo do nível de atividade e, sobretudo, de produtividade das empresas e dos setores. Se as partes tiverem alçada para fazer essa decisão sem a interferência de terceiros, e com base em negociações descentralizadas, a probabilidade de obter variações toleráveis é muito grande.

4) Mas, no Brasil, os impasses econômicos são levados à Justiça do Trabalho, em que os juízes têm dificuldade (justificável) de conceder um pequeno reajuste salarial a uma categoria, depois de ter contemplado, no mesmo dia, com um reajuste generoso, outra categoria só porque esta alcançou um nível de produtividade mais alto.

Os problemas acima apontados não desmerecem a iniciativa do governo ao lançar a nova sistemática. Mesmo porque ela pode atuar como compensadora na ausência das reformas institucionais das quais tanto se fala. Quanto maior for a demora para aprovar as reformas tributária, previdenciária, trabalhista e da justiça, é claro, mais rigorosas serão as medidas do Banco Central e mais doloroso será o controle da inflação.

O Brasil entra para o seleto grupo de economias que seguem o sistema de metas, sem fazer as reformas que foram realizadas por aqueles países antes da adoção do sistema. Isso torna o experimento brasileiro, a um só tempo, peculiar, atraente e emocionante... Vamos ver no que vai dar.