Publicado em A Folha de São Paulo, 12/12/1991
A ilusão da prefixação de salários
No Brasil, a idéia de prefixação de preços e salários é cíclica. Vai e vem de acordo com a variação da inflação. A cada surto inflacionário, volta-se a falar no tal ajuste voluntário não só de preços e salários, mas também de impostos, juros e até câmbio - é a chamada política de rendas.
Um economista da Organização Internacional do Trabalho, Wouter van Ginneken, fez um balanço de dezenas de experiências desse tipo realizadas em vários países e chegou à seguinte conclusão: "Depois de tantas tentativas de controle centralizado, verifica-se que as sociedades modernas acabam preferindo a negociação descentralizada". Esse tipo de negociação, adverte o especialista da OIT, "tem permitido aos trabalhadores e empresários acompanharem de modo mais acurado a situação de cada empresa e, com isso, juntarem suas demandas em função da conjuntura e da capacidade de competir no momento" ("Wage Policies in Industrialized Market Economies from 1971 to 1986", International Labour Review, 1988).
O autor reconhece o êxito temporário de alguns projetos de prefixação. Ele destaca o curto sucesso da Inglaterra, que com uma inflação de 24%, em 1975, conseguiu convencer os sindicatos a aceitarem apenas 5% de aumento salarial. Nos primeiros meses o acordo funcionou mas, depois, já não se respeitava mais nada - o que levou Margareth Thatcher a aprofundar sua natural preferência pela ortodoxia.
Nos Estados Unidos, Nixon estabeleceu um congelamento de preços e salários, em 1971, com um subsequente controle tripartite. Também durou pouco. A inflação voltou com toda força assim que suspenderam os controles. Carter também tentou monitorar a economia através do Conselho de Estabilização de Salários e Preços em Washington. A experiência não conseguiu garantir obediência de forma continuada. Reagan, depois de Carter, e a exemplo de Thatcher, voltou à ortodoxia.
As experiências revelam que as políticas de perfixação salarial constituem um procedimento muito complexo e exigem um enorme desprendimento por parte dos protagonistas. No Japão, em l974, durante a negociação da Conferência Nacional Tripartite, os sindicatos aceitaram apenas 13% de aumento salarial para uma inflação de 20%.
Tais estratégias demandam ainda uma sólida tradição de trabalho coletivo e voluntário e disposição e paciência para repetir o mecanismo. A Noruega, por exemplo, que é país homogêneo e tem uma cultura baseada na cooperação e em negociações centralizadas, tentou políticas de prefixação nada menos do que dez vezes entre 1969 e 1981.
Tudo isso nos leva a especular sobre o futuro dessa estratégia no Brasil - um país muito heterogêneo, com tradição individualista e viciado em mecanismos de proteção, dentre eles, a indexação. É pouco provável que a simples vontade de alguns em querer prefixar preços e salários possa transformar individualismo em coletivismo e o paternalismo em voluntarismo. É menos provável ainda que a economia brasileira possa ser administrada de cima para baixo.
O que dizer então do pretendido entendimento nacional? Ele é necessário mas, à luz dos comentários acima, um acordo nacional só tem chance se for limitado à negociação dos princípios essencialmente básicos. Isso significa que empresários e trabalhadores teriam de se cingir ao acerto tão somente dos fundamentos das novas relações entre capital e trabalho: eleas continuariam baseadas na atual conduta adversária ou partiriam para cooperação? Como superar o clima de desconfiança reinante? Como se chegar à parceria e às formas de enfrentamento conjunto das condições competitivas?
Vencida essa etapa, poder-se-ia pensar nos detalhes, mas através de negociações realistas e descentralizadas, ao nível da empresa - como decidiram fazer, dentre outros, nossos vizinhos argentinos. Qualquer tentativa de prefixar parâmetros para preços e salários, a nível nacional, esbarra na colossal heterogeneidade de nossa economia e com frágil capacidade de se fazer cumprir os acordos voluntários em uma cultura secularmente permeada pelo individualismo.
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