Publicado em Jornal da Tarde, 07/08/1998
Salário mínimo e nível de vida
Coincidentemente, Brasil e Estados Unidos discutem, neste mesmo momento, a questão do salário mínimo. É claro que os patamares são diferentes. Lá, o Presidente Bill Clinton pretende elevar o salário mínimo horário de US$ 4.25 para US$ 5.15 ao longo dos próximos três anos. Aqui, ao sancionar o valor de R$ 112,00 por mês, o Presidente Fernando Henrique Cardoso passou o salário mínimo horário de R$ 0,45 para R$ 0,51.
Nos Estados Unidos, a resistência dos economistas está sendo enorme. Embora haja alguns poucos estudiosos, como David Carl e Alan Kruger que apresentaram dados revelando que, nas lanchonetes de New Jersey, os aumentos de salário mínimo do passado foram seguidos por ampliação do emprego, a grande maioria dos pesquisadores argumenta o contrário.
Milton Friedman, da Universidade de Chicago, diz que um aumento de qualquer mercadoria ou serviço - por lei - reduz a quantidade de compradores e, no caso do salário mínimo, gera desemprego. Finis Welch, da Universidade do Texas afirma que, depois de um aumento artificial do salário mínimo, menos trabalhadores serão empregados. David Neumark, da Universidade de Michigan, argumenta que, embora o efeito seja aparentemente pequeno, o aumento do salário mínimo em US$ 0,90 vai provocar um forte desemprego no grupo mais pobre. Martin Feldstein, da Universidade de Harvard, sentencia que a redução do emprego será desumanamente concentrada entre os menos qualificados ("Minimum Wage vs. Supply and Demand", The Wall Street Journal, 24-04-96).
No Brasil, a discussão se coloca em outro terreno. O grande obstáculo - permanentemente invocado pelo governo - é o impacto devastador dos aumentos do salário mínimo sobre o setor público, em especial, a previdência social e as prefeituras municipais. Por vias indiretas, o salário mínimo elevaria o déficit e reduziria o nível de vida dos brasileiros.
Mas, essa relação entre salário mínimo e nível de vida é ainda muito obscura.
Será que quem ganha salário mínimo fica nesse salário a vida inteira? Tudo indica que não. O salário mínimo no Brasil está se transformando em um "salário de entrada" para a grande maioria dos trabalhadores.
Isso também ocorre nos Estados Unidos onde cerca de 60% dos que começam a trabalhar com salário mínimo saem fora dele depois de um ano. Entre os que têm três anos de trabalho, apenas 15% dos trabalhadores permanecem com salário mínimo.
No Brasil, há cerca de 20% da força de trabalho ganhando salário mínimo. Mas, nessa massa estão incluídos os trabalhadores dos mercados formal e informal. Os dados do IBGE informam que, entre os trabalhadores que têm carteira assinada (mercado formal) apenas 10% ganham salário mínimo.
Ao se analisar as características demográficas dessas pessoas verifica-se uma grande incidência de jovens, mulheres e trabalhadores sem qualificação profissional - todos recém contratados. Nos Estados Unidos, igualmente, o salário mínimo se concentra nos jovens que trabalham em lanchonetes e outros serviços assim como nos imigrantes sem qualificação profissional (hispânicos, asiáticos e africanos) e ao longo do primeiro ano de trabalho.
O uso do salário mínimo para se inferir o nível de vida das pessoas exige muito cuidado. Jamais defenderei, é claro, que, em nosso país, o salário mínimo tem um poder de compra decente. Mas, para usá-lo como indicador de nível de vida, é preciso saber quem ganha salário mínimo e por quanto tempo.
Ademais, é essencial conhecer a renda de toda a família e não apenas o salário de cada pessoa. Um estudo pioneiro que comparou dados familiares dos censos de 1970 e 1980 mostrou que o quadro da pobreza fica substancialmente atenuado quando se considera a renda do domicílio e não apenas a renda de cada membro (José Pastore e outros, Mudança Social e Pobreza no Brasil, Pioneira, 1983). Os estudos sobre mobilidade social, igualmente, indicam que grande parte da população adulta do Brasil passou por um forte processo de ascensão social quando comparada com seus pais e avós. Os dados sobre consumo, da mesma forma, têm indicado que o consumo per capita dos produtos populares cresceu de forma brutal nos últimos tempos o que sugere grandes mudanças na composição da renda e do poder de compra das famílias brasileiras.
Nada disso justifica manter indefinidamente o salário mínimo atual. Mas, os fatos arrolados significam que o próprio mercado está tornando o salário mínimo uma categoria residual e que, não fôra o problema das contas públicas, já poderia ter se transformado em uma peça de museu.
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