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Publicado na Folha de S. Paulo, 02/05/1987

A pergunta da Folha: - Você acha que uma reedição do congelamento de preços pode ser eficiente no combate à inflação?

A saída é a saída

A pesquisa da Folha de domingo revelou que o povo quer novo congelamento e se diz disposto a fiscalizar pra valer. O presidente Sarney, igualmente, sonha com um novo Cruzado. E o ministro Bresser Pereira insinua a necessidade de um choque para cortar a inflação de 15% ao mês.

Portanto, várias vontades convergem para um novo congelamento. Simultaneamente, a realidade econômica e política se mostra cada vez mais rebelde para uma aventura de tal envergadura.

Do ponto de vista econômico, dentre várias contra-indicações, lembremos que hoje, estamos com as reservas cambiais a zero e, portanto, desaparelhados para enfrentar importações de emergência na eventualidade de outro desabastecimento.

Do ponto de vista político, o quadro se mostra ainda mais perverso. Credibilidade e respeito são virtudes inexistentes no cenário atual. A crise do Ministério da Fazenda, ao longo desta semana, pôs às claras a grave deterioração a que chegamos. No calor do episódio, as partes perderam a "disciplina dramatúrgica" e acabaram mostrando sua verdadeira face: Ulysses Guimarães, numa frase, destituiu José Sarney da Presidência da República, ao qualificá-lo de mero cidadão – este que, por um momento, decidira pensar, por conta própria.

José Sarney, por outro lado, colocou a céu aberto sua impotência para nomear e demitir auxiliares, ao aceitar a imposição de Ulysses para o principal cargo da área econômica. Sua revolta foi curtida na intimidade, exceto naquele desabafo, quando mandou Ulysses anunciar Bresser. O gesto lembrou Figueiredo que, também contrariado, não quis passar-lhe a faixa. O teatro se repete. São caprichos de presidentes...

Enquanto isso, no mundo da realidade, o povo amarga inflação de 15% e assiste, perplexo, esse jogo de esgrima entre Ulysses e Sarney, que insistem em exibir suas espertezas, julgando que a dona de casa, o trabalhador e o empresário estejam interessados, neste momento, em traquinagens políticas. Tropeçando em suas próprias manobras, os dois presidentes foram flagrados nus no meio da cena. Ulysses, destituindo Sarney e, com isso, revelando forte vocação para o golpismo. Sarney, passando recibo de "cidadão tolerado" pelos marajás do PMDB, que afinal, se julgam donos absolutos do governo por terem vencido a eleição – indireta – com Tancredo Neves.

A crise política é séria e não permite mais aventuras econômicas. O país está com dois importantes presidentes – do Executivo e do Legislativo – abertamente desmoralizados. Vivemos o pior dos dois mundos: não dispomos de instituições democráticas fortes para garantir o mínimo de previsibilidade e tampouco de estadistas que possam empolgar a opinião pública com desprendimento e patriotismo. Chegamos ao ponto final. A crise é de instituições e de homens.

Dentro desse quadro, quem terá condições de pedir novo sacrifício para um congelamento? Sarney ou Ulysses? Por isso, congelar, agora, é politicamente inviável, além de economicamente insustentável. É inevitável reconhecer que o governo acabou. Daqui para frente, nenhum plano dará certo. Walter Lippmann, analista político, diz não haver necessidade maior para os homens que vivem em comunidade do que serem governados autogovernados, se possível; bem governados, preferivelmente; mas, tudo dando errado, pelo menos governados. Sejamos realistas, temos um governo que simplesmente não governa e perdeu as condições de governar.

E daí? Para onde vamos? A democracia tem chance? Parece que sim, se andarmos rápido. Sem instituições e sem lideranças; sem apoio partidário e sem carisma pessoal; sobrou apenas um caminho: eleição imediata. Não depois da Constituinte; nem de 1988. Simplesmente agora.

Mas, para que isto não se transforme em golpe ou corte arbitrário do mandato presidencial, a solução, nesse caso, só poderia vir de um lance de alto patriotismo do próprio presidente Sarney: a renúncia. Só com sua renúncia é que se poderia cumprir o art. 79 da Constituição, que manda realizar eleições diretas para presidente e vice-presidente da República em trinta dias. Sim, em trinta dias. Ou seja, (1) uma eleição barata, pois não haveria tempo para gastar muito; (2) uma eleição funcional para a aceleração da transição democrática; (3) uma eleição enaltecedora do próprio presidente Sarney, pelo seu histórico gesto de grandeza; (4) uma eleição oportuna para acalmar os credores; (5) uma eleição desejara para tender à esperança de toda a nação, que anseia entrar em nova vida.

Está aí uma idéia para ser pensada sem fanatismos. E também com praticidade: hoje, uma eleição poderá ainda ser vencida por alguma liderança nova no próprio PMDB ou PFL. Daqui a um ano será difícil saber o que um político da situação terá a dizer no palanque. Pensemos nisto com serenidade. Todo o resto é utopia. Sejamos realistas: não há mais plano que funcione num governo que já acabou. Muito menos um congelamento.