Publicado em O Jornal da Tarde,31/08/1994
Os salários têm de aumentar. Como?
Os países mais ricos vêm manobrando de todas as maneiras para induzir uma elevação de salários e melhoria das condições de trabalho dos países mais pobres. Dizem fazer isso por "razões humanitárias". Mas, na verdade, o que está por trás dessas manobras, é o desejo de proteger suas próprias economias.
No mês de abril, em Marrakesh, a França e os Estados Unidos tentaram colocar um cláusula no novo Tratado do GATT segundo a qual os países mais ricos ficariam impedidos de importar bens e serviços de países mais pobres onde os salários são mais baixos, as jornadas são mais longas e as condições de higiene e segurança são precárias.
A tentativa falhou, mas o tema não morreu. Na semana passada, o Senado dos Estados Unidos aprovou, silenciosamente, um projeto de lei encaminhado pelo Presidente Bill Clintos por países que não respeitam as normas internacionais nos campos do salário, jornada, higiene e segurança e trabalho infantil.
Doravante um país como o Brasil passrá a ter enormes dificuldades para obter recursos do Banco Mundial, BID, FMI e outros organismos nos quais os Estados Unidos têm forte influência. Um simples veto dos americanos será suficiente para bloquear os empréstimos solicitados.
A pressão não pára ai. À partir de 1º de Janeiro de 1995, será instalada a OMC - Organização Mundial do Comércio - na qual os países ricos voltarão a insistir na adoção de medidas contra aquilo que chamam de práticas desleais no campo trabalhista - o "dumping social".
Em outras palavras, os países mais avançados, que hoje amargam as mais altas taxas de desemprego, estão procurando se proteger de todas as maneiras. Antes a luta se resumia ao dumping comercial; em seguida, passou-se a combater o dumping ambiental; agora, é o dumping social.
No meio de tudo isso, o Brasil assim como os demais países da América Latina e da Ásia enfrentarão grandes obstáculos daqui para a frente para manter em ampliar suas exportações à Europa e aos Estados Unidos.
O que fazer? No curto prazo, as missões diplomáticas farão o possível e o impossível no sentido de impedir a consecução daqueles planos protecionistas. Mas, no longo prazo, só resta encarar com realismo, a necessidade de se aumentar os salários, encurtar as jornadas e melhorar as condições de higiene e segurança dos nossos trabalhadores. Essa é uma tendência mundial.
Uma elevação do salário, por exemplo, em nada afetará a competitividade das empresas brasileiras se ela for acompanhada por uma correspondente elevação da produtividade da mão de obra e flexibilização da legislação trabalhista.
A melhoria da qualidade da mão de obra e a desregulamentação do mercado de trabalho são mais do que necessárias. As novas tecnologias requerem trabalhadores que sejam capazes de ler e compreender instruções; raciocinar e tomar decisões; resolver problemas; trabalhar em equipe; e, sobretudo, que tenham condições de aprender continuamente. O Brasil terá de intensificar muito os atuais mecanismos de qualificação de mão de obra, começando pelo ensino de primeiro lugar e indo até à formação mais especializada realizada pelo SENAI, SENAC E SANAR - além de escolas técnicas e universidades.
No campo da flexibilização, já é hora da nossa legislação trabalhista abrir espaços para a contratação de grupos estratégicos com menos encargos sociais. Esse é o caso, por exemplo, dos jovens que podem completar a sua formação profissional dentro da própria empresa. No campo dos encargos sociais, o Brasil é um país de tudo o nada: ou se contrata com todos os encargos ou se contrata sem nenhum encargo. Temos de flexibilizar a nossa legislação e amparar as novas formas de contratação que estimulem as empresas a admitir e, ao mesmo tempo, investir na melhoria dos contratados.
O "cerco trabalhista" tende a apertar cada vez mais. Não há dúvida: o mundo do futuro vai forçar a elevação dos salários e a melhoria das condições de trabalho. Isso é justo e humano. Mas, para tudo dar certo, é fundamental que a mão de obra renda mais; entenda as tecnologias; torne-se polivalente; e vista a camisa do desenvolvimento. Isso tudo depende de muita educação e bastante flexibilização. As pedras estão no tabuleiro. Falta apenas jogar.
|