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Pulicado em O Estado de São Paulo, 25/03/2014

A tributação da rotatividade

José Pastore e José Paulo Z. Chahad

Participamos este mês de um seminário sobre rotatividade promovido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Dieese. Além de discutir as causas do fenômeno, o evento se destinou a gerar subsídios para justificar o anteprojeto de lei elaborado pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) que visa a regulamentar o parágrafo 4 do artigo 239 da Constituição federal de 1988, que estabelece uma penalização financeira às empresas que apresentam taxa de rotatividade maior do que a média do setor.

As razões dessa medida seriam combater os altos níveis de rotatividade da força de trabalho, reduzir as despesas e, se possível, gerar recursos adicionais para o seguro-desemprego, que em 2013 consumiu quase R$ 50 bilhões - em tempos de pleno-emprego. No seminário, porém, foram levantadas muitas dúvidas sobre a eficácia da referida medida. Entre as principais razões dessas dúvidas, destacamos:

Nos últimos dez anos, a taxa de rotatividade aumentou muito mais por causa dos pedidos de demissão dos empregados do que por força de dispensa do lado das empresas, o que é fruto de um mercado de trabalho aquecido, em que os empregados sentem a atração de buscar melhores oportunidades.

Num mercado aquecido, as empresas não têm vantagens em demitir empregados para contratar outros, porque os salários de admissão estão muito próximos do salário de demissão, nem têm condições de evitar a saída deles, embora se esforcem para retê-los. Não há por que penalizar as empresas por aquilo que está fora de seu controle.

O grosso da rotatividade no Brasil ocorre nas pequenas e microempresas, cuja grande maioria está no programa do Simples. Seria um contrassenso sobretaxar essas empresas, pois o programa visa a simplificar sua vida para que possam crescer e gerar empregos.

A ideia de penalizar a rotatividade pode ter sido inspirada na "experience rate" usada nos Estados Unidos, que, a exemplo do seguro de acidentes, varia para cima e para baixo, penalizando ou premiando as empresas, conforme o caso. No caso da rotatividade, isso implicaria uma administração complexa para determinar quem paga mais e quem paga menos (ou é isento), sem dizer que esse jogo pode ser de soma zero em termos de geração de recursos adicionais.

No caso americano, a sobretaxa incide sobre a folha de pagamentos, diferentemente do Brasil, onde os recursos para financiar o seguro-desemprego vêm do PIS/Pasep, o que exigiria novamente uma complexa parafernália para sobretaxar determinadas empresas e isentar outras. O PIS/Pasep vem do faturamento, que pouco tem que ver com rotatividade.

Seja qual for a modalidade a ser adotada, a referida sobretaxa criaria mais um encargo social, aumentando ainda mais o já elevado custo Brasil, indo na contramão do esforço de desoneração da folha de salários empreendido pelo governo.

Em suma, a redução da rotatividade é incerta, enquanto as despesas com a aludida penalização são certas. Nada justifica criar uma nova carga sobre o onerado fator trabalho.

Sentindo essas dificuldades, os participantes do seminário apresentaram várias sugestões para prevenir o aumento da rotatividade e conter os gastos do seguro-desemprego, tais como: mudanças nas leis atuais; exigência de frequência a cursos durante o gozo do seguro-desemprego; desestímulo do trabalho informal durante o período coberto pelo benefício; equalização da alíquota do FGTS a valores de mercado; facilitação do acesso ao fundo de tempos em tempos; revisão dos critérios de repasse dos recursos do FAT para o Tesouro Nacional na forma de DRU e das demais políticas financiadas pelo próprio FAT, algumas de baixa eficiência e pouca eficácia.

As discussões indicaram que a pretendida sobretaxa constitui um expediente bastante complexo, de duvidosa eficácia e que exige mais estudos e reflexão dos acadêmicos e dos técnicos do governo.