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Publicado em O Estado de S. Paulo, 05/10/1998

Pressão nos custos

José Pastore e Hélio Zylberstajn

Os direitos trabalhistas da Nova Carta introduziram duas drásticas mudanças no mercado de trabalho: aumentaram o custo da mão-de-obra e fortaleceram extraordinariamente o poder sindical. O que acontecerá daqui para frente?

Há dois cenários extremos. O primeiro, catastrófico, mostra uma rápida desorganização de toda a economia. As várias estimativas revelam que os novos direitos trabalhistas provocarão um aumento médio das folhas salariais de aproximadamente 35%, sobre os quais incidirão os 21% da URP do próximo trimestre. Os gastos com pessoal poderão crescer mais de 60%! Um número cósmico que jogaria o Brasil na fase terminal da hiperinflação, quando as pessoas passam a repudiar a moeda e correr desesperadamente em direção ao dólar, ouro, imóveis e supermercados, fazendo surgir o desabastecimento, saques, tensão social e caos político.

O segundo cenário, otimista, mostra uma absorção fácil dos novos encargos com base no argumento de que as empresas que empregam o grosso da mão-de-obra já concedem quase tudo o que foi aprovado: muitas já trabalham menos de 44 horas semanais e 6 horas nos turnos de revezamento; pagam horas-extras acima de 50%; concedem mais de 1/3 de férias; 120 dias para a gestante 4/5 para o pai, assim como mantêm sistema de participação nos lucros; oferecem creche e pré-escola; dão uma gratificação de 40% do FGTS e aviso prévio proporcional na despedida do empregado, etc. Para elas não haveria acréscimo significativo de custos.

Qual dos cenários está mais próximo da realidade? Só a História dirá. Se a inflação não disparar e as empresas não quebrarem, ficará provado que os constituintes estavam certos. Do contrário, surgirão inúmeros mecanismos de ajustamento para adaptar o sonho dos parlamentares ao mercado. As empresas que puderem repassarão os novos custos aos preços. As que não puderem exportar, intensificarão a automação, mudarão seu mixing de produtos e desverticalizarão sua produção.

Mesmo assim, o Brasil não estará livre de dias turbulentos. A Nova Carta deu aos sindicatos forças poderosíssimas. A greve, por exemplo, poderá ser deflagrada a qualquer momento e por qualquer motivo. Foram para os ares as políticas salariais. Os trabalhadores poderão paralisar o trabalho contra qualquer sistema de indexação de salários.

Os sindicatos fortaleceram-se ainda em três outras áreas. (1) Eles ganharam uma nova contribuição sindical cujo valor e periodicidade serão fixados em assembléia geral. Está aí a semente do fundo de greve. (2) Os sindicatos receberam poderes para acionar a empresa e defender os empregados em qualquer assunto, sem procuração ou consentimento, assim como para impetrar mandado de injunção, para usar a substituição processual e ainda o direito de impetrar mandado de segurança coletivo contra qualquer autoridade pública que interfira nas prerrogativas da categoria. (3) Os diretores e suplentes assim como os membros das representações sindicais gozarão de estabilidade. Os sindicatos estabelecerão livremente o número de diretores, suplentes e representantes, admitindo-se a possibilidade de organizarem uma representação sindical de 40/50 membros para cada empresa, instituindo-se assim, de fato, a "comissão de fábrica" atrelada ao sindicato, que poderá ser presidida pelo representante dos empregados nas empresas de mais de 200 empregados, também assegurado pela Constituição.

Por isso, o ajuste entre a Constituição e a realidade será feito sob forte pressão sindical. Como a Constituição fixou os mínimos, os sindicatos tentarão buscar os máximos. Por exemplo, no caso do adicional de, pelo menos, 1/3 de férias, não será surpresa se os sindicatos vierem a reivindicar férias em dobro ou até mais. Isto ocorrerá com vários outros direitos trabalhistas da Nova Carta.

Em suma, o empresariado brasileiro será desafiado a reformular por completo sua conduta no campo das relações de trabalho. Os impasses já não podem ser "resolvidos" pela via da dispensa do empregado, pois esta custará 40% do FGTS e concessão de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Ademais, ela pode instigar uma greve de solidariedade. Nem tampouco poderá a empresa contar com sentenças judiciais de ilegalidade de greve. Isso desapareceu. E a Justiça do Trabalho ganhou poderes legislativos para estabelecer normas e condições na falta da lei e em qualquer assunto do trabalho.

A Nova Carta, portanto, remeteu o conflito para dentro da empresa. Esta terá de ali administrá-lo e evitar que ele se alastre, chegue ao sindicato e suscite a greve. Isso exigirá uma profunda reciclagem das diretorias e chefias. Todos, na empresa, terão de se preparar para garantir a paz e não simplesmente deixar o advogado cuidar da guerra.

Grande parte do ajustamento virá do entrechoque da Constituição com as possibilidades da empresa e o uso do poder sindical. Toda vez que uma empresa quebrar por força da utilização máxima do poder sindical, os trabalhadores divergirão da conduta dos seus dirigentes. Com isso, os sindicatos aprenderão a utilizar a diplomacia em lugar dos seus aparatos nucleares de longo alcance, pois o empresário impotente, poderá usar involuntariamente outra arma de efeito devastador para os trabalhadores – o fechamento da empresa. Essa dureza da realidade será ensinada ao longo do tempo. Um aprendizado doloroso para as duas partes. Mas só assim ocorrerá o ajuste. Na prática da negociação diplomática, empresas e sindicatos estarão, na verdade, construindo uma nova ética de trabalho para se administrar os conflitos sob uma Constituição populista.