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Publicado em O Estado de São Paulo, 12/02/2002

CLT: o que pode e o que não pode ser negociado

O PT e a CUT fizeram um estrondoso alarde durante a discussão do projeto de lei 5.483 que alterou o art. 618 da CLT. Pelos decibéis do alarido, estávamos próximo do fim do mundo. Isso criou no povo um sentimento de grande apreensão. Dizia-se que a nova lei iria revogar toda a CLT; que acabaria com o 13º salário, férias, licença à gestante; que os empregadores imporiam aos empregados condições selvagens; que sindicatos fracos fariam acordos em favor das empresas.

Em matéria de terrorismo de informação, a movimentação foi perfeita, embora falsa. A reforma aprovada não é nada disso; foi muito leve; e os motivos são evidentes.

Em primeiro lugar, qualquer mudança nas condições de trabalho só poderá ser feita através de negociação coletiva e com a participação dos sindicatos. Será que estes vão negociar o que os seus filiados não querem? É claro que não. Nos meus 44 anos de estudo nesse campo já vi muito dirigente sindical despreparado em matéria de negociação; mais nunca encontrei um dirigente sindical traidor.

Em segundo lugar, é importante enfatizar que essa negociação é voluntária. Negocia quem quer. Os que acham que estão bem protegidos com a lei atual, que fiquem como estão. Ninguém é obrigado a negociar.

Em terceiro lugar, os direitos inegociáveis superam em muito os negociáveis. O professor Amauri Mascaro, com sua enorme competência técnica, fez um detalhado estudo nesse campo ("Limites da Negociação Coletiva na Perspectiva do Projeto de Flexibilização da CLT", Revista LTr, vol. 65, dezembro de 2001). O que se deduz da sua análise?

O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados excluiu da negociação uma série de direitos muito fortes: (1) os dispositivos constitucionais; (2) as leis complementares; (3) os direitos previdenciários; (4) as normas tributárias; (5) o FGTS; (6) o vale transporte; (7) o programa de alimentação; (8) as normas de segurança e saúde no trabalho.

São oito exclusões de grosso calibre. Só no campo constitucional, são inegociáveis os seguintes direitos: (1) indenização por dispensa imotivada; (2) jornada semanal de 44 horas; (3) jornada diária de 6 horas para sistemas de revezamento (a menos o previsto na própria Constituição); (4) adicional de 50% nas horas extras; (5) acréscimo de 1/3 da remuneração das férias; (6) licença-paternidade de 5 dias; (7) idade mínima de 16 anos para trabalho; (8) isonomia salarial entre avulsos e empregados; (9) estabilidade da gestante; (10) estabilidade de dirigente sindical e membro da CIPA; (11) participação nos lucros, ou resultados e gestão da empresa; (12) direito de greve.

Segundo Mascaro, estão fora da negociação também: (1) as normas de direito público do trabalho (registro em carteira, fiscalização do trabalho, homologação de rescisões; etc.); (2) o direito penal do trabalho (retenção dolosa do salário, omissão de documentos da previdência social, etc.); (3) as convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil; (4) a organização sindical; (5) e as sentenças da Justiça do Trabalho.

Ou seja, mesmo para quem deseja negociar, o proibido supera o permitido. No fundo, são negociáveis apenas as "condições de trabalho" que se referem ao contrato individual de trabalho (art. 468 da CLT): (1) a compensação de horários dentro dos limites constitucionais; (2) a redução da jornada de trabalho; (3) a exclusão ou inclusão do tempo in itinere na jornada; (4) a jornada de tempo parcial; (5) o número de horas extras compensáveis; (6) a condição de gerentes e exercentes de cargos de confiança; (7) a duração dos intervalos; (8) os dias de concessão nos quais recairá o repouso semanal; (9) o período que se caracteriza como noturno; (10) o percentual do adicional noturno; (11) a forma de marcação de ponto; (12) o contrato por prazo determinado.

Quanto à duração das férias, o assunto é polêmico: o descanso das férias é condição de trabalho ou condição de saúde do trabalhador? No primeiro caso, é negociável; no segundo, é inegociável. Nesse campo, a única coisa que se pode negociar, com certeza, é o parcelamento das férias.

Em relação ao abono de férias, a Constituição Federal garante que seu valor terá de ser de 1/3 do salário normal. Portanto, pode-se negociar só o seu parcelamento. O 13º salário deve ter o valor de um salário normal. O pagamento pode ser parcelado como, aliás, já pode, pelo que dispõe o art. 7º, Inciso VI da Constituição Federal.

Ou seja, não há nenhuma revolução por trás desse projeto de lei. Trata-se de uma reforma branda e gradual e mesmo assim, sujeita à vontade das partes. O seu grande mérito está na introdução de um novo conceito - o de que "empregados e empregadores podem negociar condições de trabalho diferentes da lei e o que for negociado vale tanto quanto lei". Só isso.