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Palestra apresentada no Seminário de Cooperativas de Trabalho, Brasília: Tribunal Superior do Trabalho, 16/10/2003.

O Trabalho Associativo no Brasil

No mundo inteiro, as leis trabalhistas e previdenciárias surgiram para proteger, fundamentalmente, o trabalho industrial exercido em regime de subordinação, por prazo indeterminado e de forma concentrada em grandes empresas.

Mas o mundo atual é muito diferente do que prevaleceu nas décadas de 30, 40 e 50 quando foram cunhadas as leis de proteção na Europa, América do Norte e América Latina. Hoje, o trabalho industrial tornou-se minoritário, tendo sido suplantado pelas atividades do comércio e serviços.

A relação subordinada – de emprego – continua sendo a predominante, mas vem passando por enormes transformações. Ao lado dela surgiram outras formas de trabalhar – o trabalho por projeto (que tem começo, meio e fim); o trabalho casual (exercido de forma intermitente ou ocasional); o teletrabalho (exercido em casa ou em movimento) e assim por diante.

O mercado de trabalho se diversificou, demandando novas formas de proteção. Todavia, a legislação manteve-se quase intacta, protegendo apenas a relação típica de subordinação na qual as proteções são atreladas ao emprego e não aos trabalhadores. Por exemplo, só faz jus ao seguro desemprego quem esteve empregado durante certo tempo. As pessoas que fazem trabalhos ocasionais não têm nenhuma proteção quando ficam sem trabalho. Os exemplos desta distorção superam em muito os casos em que as leis atuais amparam quem precisa.

O que fazer? Tentar enquadrar todas as pessoas nas situações protegidas pela lei existente? Tarefa inglória.

O mercado de trabalho não vai reverter sua tendência para se ajustar a uma lei que é limitada a apenas um dos seus inúmeros segmentos – o do emprego. Mesmo nessa categoria, as mudanças estão sendo enormes. Ao lado do emprego em tempo integral, prolifera o emprego em tempo parcial. Ao lado da jornada fixa, multiplicam-se as jornadas variadas. Ao lado da remuneração assalariada, cresce a remuneração por resultados. Em lugar da carreira atrelada aos postos de trabalho, floresce a carreira ligada às pessoas.

Enfim, a metamorfose do próprio emprego típico, assalariado, de tempo integral foi estonteante nas últimas três décadas e continua desafiando as leis que foram desenhadas para proteger um tipo de emprego que é bem diferente do emprego de antigamente.

Não há como reverter esse processo, por mais que os guardiões da antiga lei o desejem.

E daí? Vamos deixar o mercado de trabalho procurar sua própria disciplina? Não! O mercado de trabalho é diferente do mercado de commodities. O trabalho não é uma mercadoria. Ele é fruto do esforço humano. E precisa ser respeitado. A proteção da saúde, o amparo na doença, no desemprego, na velhice e em tantas outras condições jamais serão acertadas por meio da mão invisível e pelo simples jogo da oferta e da procura. Por isso, o trabalho precisa ser regulamentado para se garantir proteções mínimas.

A lição que se tira da transformação ocorrida na segunda metade do século XX é que é errônea a idéia de querer desregulamentar o mundo do trabalho. Ao contrário, a transformação ocorrida está a exigir uma re-regulamentação que seja capaz de proteger todas as formas de trabalho humano. A lei antiga não dá conta dessa tarefa. É preciso usar a criatividade e o talento dos legisladores e dos juristas para criar outras formas de proteção. Esse é o desafio.

Esse é um desafio mundial. Hedva Sarfati e Giulano Bonoli, dois dos maiores expoentes no campo das relações do trabalho, acabam de publicar uma preciosa obra explorando formas alternativas de proteção (Sarfati e Bonoli, 2002). Eles deixam claro que as velhas instituições tornaram-se inadequadas para proteger os novos modos de trabalhar, incluindo-se aí a relação de emprego na sua forma contemporânea.

Na União Européia, o emprego em tempo parcial já abrange 20% da força de trabalho – na Holanda é 40%. No período de 1994-2000, cerca de 80% dos novos postos de trabalho criados na União Européia foram em tempo parcial. Dois terços, foram ocupados por mulheres.

Ao lado do tempo parcial, os trabalhos temporários e por conta própria na União Européia respondem atualmente por 13% do pessoal ocupado. No período de 1994-2000, tais atividades cresceram de forma expressiva, especialmente, entre os mais jovens, os menos educados e os mais vulneráveis à desproteção.

Tanto no tempo parcial como no trabalho temporário, a rotatividade é maior, sendo que os turnos, horários e jornadas são oscilantes. Ou seja, nesses casos, a proteção precisa estar atrelada aos trabalhadores e não aos cargos e às posições que eles temporariamente ocupam. A nova proteção do trabalho terá de ser portátil. O que interessa é proteger o cidadão que, ao longo da vida, faz um intenso zigue-zague entre as várias formas de trabalho. Hoje ele trabalha como assalariado em tempo integral; amanhã como assalariado em tempo parcial; depois de amanhã, como remunerado por tarefas ocasionais; em seguida, volta ao trabalho assalariado; entra no trabalho autônomo novamente; volta para o tempo parcial e assim por diante.

O que complica ainda mais, é verificar que muitas situações caem na penumbra entre um e outro tipo, sem falar nos casos em que a mesma pessoa divide seu tempo, trabalhando um pouco de uma maneira e um pouco de outra.

A busca de proteções variadas para situações variadas foi um dos principais temas do Congresso Mundial de Relações do Trabalho, realizado em Berlim, em setembro de 2003. Linda Dickens, uma das maiores expressões acadêmicas no campo das relações do trabalho, professora da Warwick Business School (Inglaterra) apresentou um balanço da literatura mundial mostrando que, de um lado, há certo exagero nos prognósticos do fim do emprego, mas, de outro, é inegável a revolução por que passa o mercado do trabalho e o próprio emprego. A lista de trabalhos atípicos cresce a cada dia e exige novas formas de proteção. Na Inglaterra o emprego em tempo integral declinou 10% nos últimos 20 anos e o trabalho em tempo parcial já atinge 22% da força de trabalho. Outros 20% trabalham em atividades temporárias ou são autônomos. Na Alemanha, o tempo parcial passou de 11% para 17,5% entre 1988-98, e não pára de aumentar. É interessante notar que a entrada maciça de pessoas em regime de tempo integral acabou contribuindo para uma certa estabilidade de emprego na União Européia. Ou seja, o emprego em tempo integral diminui, o em tempo parcial aumenta e a estabilidade de emprego continua praticamente a mesma. As exigências de qualidade, pontualidade e competitividade não permitem que as empresas vivam com uma mão-de-obra instável. Mas isso não significa mais que todos os que para ela trabalham são empregados em regime de tempo integral e prazo indeterminado. Aquelas exigências vêm sendo satisfeitas através do aperfeiçoamento dos sistemas de controle, até mesmo nos casos de terceirização realizada a distância.

A proliferação de formas atípicas de trabalho é generalizada. Só o teletrabalho já responde por 5% das atividades exercidas pelos trabalhadores da União Européia. Nos Estados Unidos, cerca de 10% das pessoas trabalham em casa. Na Espanha de hoje apenas 32% dos empregados têm contratos com prazo indeterminado. Na Coréia do Sul, no curto período de 1997-2002, a proporção de pessoas que trabalham em atividades atípicas cresceu 50%! (Dickens, 2003).

A mais importante lição deixada por Dickens é que o mercado de trabalho vem sendo marcado por continuidades e mudanças há várias décadas e que essas mudanças atingiram o emprego e as demais formas de trabalhar. Sua conclusão é incisiva: o mundo demanda adaptação, renovação e criação de formas de regulação que se ajustem à variedade de segmentos que compõem o mercado de trabalho atual e futuro. Numa palavra, o mundo do trabalho precisa de leis mais macias ("soft laws"). Sim, porque a existência de lei única para situações variáveis pode minar a sobrevida do emprego em tempo integral e por prazo indeterminado.

Lei única e lei rígida causam sérios danos não só na área do trabalho. Uma extensa pesquisa realizada pelo Banco Mundial mostra que regulações ineficientes para registrar empresas, conseguir crédito, validar contratos e demitir trabalhadores funcionam como espantalhos para os investimentos e os empregos. Em uma lista de 130 países, o Brasil está colocado em posição bastante desfavorável. Países do mesmo nível de desenvolvimento e até inferior estão procurando agilizar e modernizar essas regulações de forma a atrair investimentos. O Paquistão, por exemplo, conectou todas as agências governamentais do país com o propósito de enxugar a burocracia e facilitar a abertura e sobrevivência das empresas (World Bank, 2003).

O lado mais dramático das mudanças é o deslocamento de atividades de um país para outro, destruindo empregos no local de origem e criando postos de trabalho no local de destino.

A Índia transformou em um outro polo de atração para as empresas de Primeiro Mundo e que recorrem ao sistema de terceirização à distância. Em Bangalore, centenas de contadores fazem análise de empréstimos pessoais que são concedidos por empresas da Califórnia. Inúmeros radiologistas interpretam testes de ressonância magnética realizados em Massachussets (USA).

Ao norte de Nova Delhi (Índia) 2.500 jovens trabalham em 3 turnos para processar as reclamações e pedidos de indenização de uma das maiores seguradoras americanas. Na mesma cidade, há 3.300 engenheiros trabalhando em tempo integral para a HP – Hewlett Packard dos Estados Unidos.

Em Manila, Shangai, Budapest e San José (Costa Rica) funcionam inúmeros escritórios de retaguarda das maiores empresas da Europa, Estados Unidos e Japão. Na China e na Índia estão os maiores "back offices" dos bancos britânicos. Nesses países estão também as equipes que fazem análises para as grandes firmas de auditoria do mundo.

Segundo previsão do economista John C. McCarthy, da Forrester Research Inc, até 2015, os Estados Unidos terão exportado 3,3 milhões de empregos, pagando no exterior cerca de US$ 316 bilhões.

Hoje em dia, as tarefas enviadas para fora estão ficando cada vez mais sofisticadas, em especial, as que vão para a Rússia, Ucrânia, Romênia, Polônia - países que investiram muito em educação e têm uma força de trabalho altamente capacitada. Só a Rússia forma 100 mil especialistas em ciências da computação por ano. A engenharia, física e matemática são fortíssimas. Os serviços são realizados nesses países por apenas 20% do que as empresas gastariam nos países de origem

Em suma: Na década de 70, exportava-se bens e serviços. Na década de 80, exportavam-se empresas (capital flight). Na década de 90, importavam-se cérebros (labor flight). Hoje, exportam-se os empregos (job flight). Beneficiaram-se os países que têm boa educação, profissionais bem treinados, leis trabalhistas flexíveis e salários mais baixos. É a união do aumento da produtividade, redução de custos e maleabilidade das regulações. Imbatível! A Ford Motor Company e a Susuki Motor Company acabam de instalar enormes fábricas na Índia para exportar carros compactos para a América Latina, em especial, para o Brasil. A Índia forma 300 mil técnicos por ano (14 anos de escola) e possui um estoque de 2 milhões de engenheiros bem treinados. O salário inicial de um engenheiro na Índia (com encargos sociais) é de US$ 650.

O Brasil está na contramão. A força de trabalho tem apenas 4,5 anos de escola - e má escola. O número de profissionais bem treinados é mínimo. Nessas condições, seremos pouco procurados para os trabalhos da sociedade do conhecimento. Ademais, a rigidez das leis trabalhistas, o excesso de burocracia, o alto custo do conflito e a forte carga tributária fazem com que algumas empresas já adotem as estratégias acima indicadas, contratando na Índia, Filipinas, China, Taiwan, Cingapura e países da Europa Central.

Em recente reportagem, a Folha de S. Paulo ilustrou esse fato com o caso dos calçados de couro. Nos últimos vinte anos, inúmeros técnicos brasileiros que trabalhavam nesse ramo no Rio Grande do Sul e em São Paulo foram para a China, levando o seu "know how", e encontrando um emprego valorizado.

O que deu essa exportação de talentos? Os números são eloqüentes. Em 1985, o Brasil exportou 113 milhões de pares de sapatos para os Estados Unidos e a China apenas 21 milhões. Em 2001, o Brasil exportou 94 milhões de pares e a China 1,1 bilhão! Com isso, os empregos minguaram para os brasileiros e explodiram para os chineses (Folha, 2003).

O mercado de trabalho dos dias atuais é um verdadeiro caleidoscópio. A cada momento ele se apresenta de um jeito e, na maioria das vezes, com várias cores e matizes confluindo para o mesmo ponto. A própria carreira das pessoas é um suceder de mudanças. Já foi o tempo em que a pessoa se casava com o emprego. Hoje ela casa, descasa, recasa e, muitas vezes, mantém relações estáveis nos vários regimes trabalho.

Alain Supiot, um dos mais destacados estudiosos do direito do trabalho da atualidade, antevê um futuro no qual as pessoas vão alocar seu tempo em vários tipos de trabalho, usando seus talentos e habilidades em uma constelação de atividades variadas e para as quais as leis atuais não estão preparadas para protegê-las (Supiot, 1999).

Repetindo. A solução não é acabar com as proteções atuais mas criar outras que sejam capazes de amparar o trabalhador nessa nova realidade que, gostemos ou desgostemos, não vai retroceder.

Para esse mundo tão diversificado, inexiste uma "lei tamanho único" que seja capaz de servir a todas situações. E isso não vai mudar. De nada adianta gritar, "parem o mundo porque eu quero descer"! O mercado de trabalho vai continuar cada vez mais diferenciado. Isso é fruto de inúmeras forças que vão muito além da força da lei.

É a constatação dessa inexorável realidade que tem levado até mesmo países de legislação rígida a procurar alternativas de proteção. A Alemanha, por exemplo, introduziu em 1998 novas regras para proteger as pessoas que trabalham por conta própria e os trabalhadores de baixa renda mais sujeitos à rotatividade. Para os que ganhavam menos de 600 marcos por mês e eram sujeitos à desproteção, a lei reduziu as despesas de contratação e descontratação para as empresas e garantiu aos trabalhadores um mínimo de proteção – menos do que a desfrutada pelos que ganhavam acima daquele limite e já estavam protegidos pela lei tradicional. (Belorgey, 2002). A Itália ensaia uma maneira negociada de estender parte da proteção dos empregados aos que trabalham por conta própria, quando prestam serviços temporários ou ocasionais para determinada empresa (Sarfati, 1999).

Jean-Michel Belorgey, renomado jurista francês e membro do Conselho Consultivo do governo da França para a formulação de novas leis, usa uma imensidão de dados de pesquisas para demonstrar que a variedade de situações de trabalho do mundo atual não pode ser atendida pelo modelo ideal de proteção que foi construído originalmente. Entre 1975 e 1995, o número de empregos em tempo integral da França cresceu em 1 milhão, enquanto que o número de empregos em tempo parcial cresceu em quase 2 milhões. O mesmo ocorreu com os trabalhos ocasionais, exercidos em horários, turnos e jornadas variadas.

A manutenção das leis para o emprego em tempo integral como forma exclusiva de proteção, penaliza todos os que optam ou são obrigados a trabalhar em outras formas de trabalho. Na verdade, tais leis ajudam a expandir a exclusão social, elevando o risco para os trabalhadores que mais precisam de proteção. Voltando a um exemplo já apresentado, o seguro-desemprego, da forma existente, penaliza os que trabalham de forma precária, agravando a precarização.

O novo mundo do trabalho não será o do fim do emprego. Mas as transformações do emprego serão aprofundadas. Ao lado dele, crescerão as outras modalidades de trabalho, revolucionando a situação atual. Isso exige um debate que redunde na criação de leis que garantam proteções mais ajustadas à essa revolução.

Enfim, as leis trabalhista e previdenciária estão sendo desafiadas. Elas estão sendo demandadas a levar em conta as necessidades das novas formas de trabalhar. A lei do tipo tamanho único é excludente.

Quando se passa para a realidade dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, a desproteção é desumana. As tentativas de enquadrar a realidade trabalhista diversificada dos dias de hoje na camisa de força das leis antigas têm intensificado a exclusão social, exacerbando o mercado informal.

Vejam o quadro brasileiro. Dos 78 milhões de brasileiros que trabalham, 48,5 milhões estão na informalidade. Mais de 60% dos brasileiros estão desprotegidos por não terem nenhum vínculo com a Previdência Social! Na Região da Grande São Paulo, em março de 2003, para cada 100 postos de trabalho criados, 77 foram na informalidade!

Quem são os trabalhadores informais? Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2002, há vários tipos de trabalho informal, como indica a

Tabela 1.

Tabela 1 - Distribuição dos Trabalhadores Informais no Brasil - 2002

Segmentos Informais

Em milhões

%

Empregados em empresas

19,5

40,3

Trabalhadores por conta própria

17,5

36,1

Empregados domésticos

4,5

9,2

Trabalhadores sem remuneração

5,8

11,9

Empregadores

1,2

2,5

Total

48,5

100,0

Fonte: PNAD 2002.

Ao somarmos os empregados em empresas com os empregados domésticos, a categoria de "empregados" chega a 25,3 milhões de pessoas. Se a esse grupo agregarmos os 1,2 milhão de empregadores que, como os empregados, deveriam estar vinculados à Previdência Social, chegamos a 26,5 milhões. Portanto, empregados e empregadores constituem as categorias mais robustas, respondendo por 54,6% do mercado informal.

Quem são os integrantes desse mercado? A metade é formada por pessoas que têm insuficiência de renda para se filiar à Previdência Social. A outra metade é composta por pessoas que não têm condições para preencher os requisitos de elegibilidade da Previdência Social (menores de 16 anos e maiores de 60 anos).

Onde os empregados informais trabalham? É sabido que a informalidade nas grandes empresas é pequena. Nelas, há casos de empregados sem registro, mas essa não é a regra. Ademais, a grande maioria das empresas é de pequeno porte.

Segundo os dados do SEBRAE, das 4.124.343 empresas formais e informais, 4.082.122 (98%) são micro e pequenas. É nesses segmentos que o emprego informal floresce. É neles também que o emprego mais cresce. No final da década de 90, 55% dos novos postos de trabalho surgiram nas micro e pequenas empresas (Najberg e outros, 2002).

A grande massa de empregados informais está nessas empresas. Por que a informalidade ocorre tanto nas micro e pequenas empresas? Porque, dentre outras causas, tais empresas enfrentam sérias dificuldades para arcar com as despesas de contratação legal que atingem 103,46% do salário de cada empregado, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2 - Despesas de Contratação no Brasil

(Horistas)

Tipos de Despesas

% sobre o Salário

Grupo A –Obrigações Sociais

 

Previdência Social

20,00

FGTS

8,50

Salário Educação

2,50

Acidentes do Trabalho (média)

2,00

SESI/SESC/SEST

1,50

SENAI/SENAC/SENAT

1,00

SEBRAE

0,60

INCRA

0,20

Subtotal A

36,30

Grupo B –Tempo não Trabalhado I

Repouso Semanal

18,91

Férias

9,45

Abono de Férias

3,64

Feriados

4,36

Aviso Prévio

1,32

Auxílio Enfermidade

0,55

Subtotal B

38,23

Grupo C –Tempo não Trabalhado II

13º Salário

10,91

Despesa de Rescisão Contratual

3,21

Subtotal C

14,12

Grupo D –Incidências Cumulativas

 

Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B

13,88

Incidência do FGTS s/13º sal.

0,93

Subtotal D

14,81

TOTAL GERAL

103,46

Fonte: Itens da Constituição Federal e CLT.

Na apresentação dessa tabela sempre surge o argumento segundo o qual vários ítens não constituem encargos sociais. Para evitar a polêmica, o título da tabela é "Despesas de Contratação". E para os que consideram que muitos dos itens não são encargos sociais resta a tarefa de dizer se são ou não são despesas. Há algum deles que pode deixar de ser pago? Há algum deles que pode ser negociado?

Não. Essa é a despesa para se contratar legalmente no Brasil: 103,46%. Ou seja, um trabalhador que ganha R$ 1.000,00, custa R$ 2.030,00 para a empresa, e leva para casa apenas uns R$ 850,00, porque ele também sofre muitos descontos em seu salário. O mais grave é que a legislação trabalhista do Brasil é única para as mega e micro empresas, desconhecendo as suas diferenças para repassar custos a preços e para enfrentar a burocracia da contratação legal.

A Tabela 3 mostra que das 4.124 milhões de empresas registradas no Brasil, 4.082 são micro e pequenas empresas e 23 mil são médias. Essas empresas contratam cerca de 16 milhões de empregados enquanto que as grandes contratam cerca de 14 milhões.

Tabela 3 - Distribuição das Empresas no Brasil – 2000

 

Porte

Total

Setor

Micro e Pequena

Média

Grande

 

Indústria

550.112

8.170

1.661

559.943

Comércio

2.045.185

4.609

2.684

2.052.478

Serviços

1.486.825

10.336

14.761

1.511.922

Total

4.082.122

23.115

19.106

4.124.343

Fonte: IBGE, Cadastro Central de Empresas.

Dois terços das micro e pequenas empresas estão no comércio e serviços. No setor comercial, 83% dos empregos estão em firmas que têm até 4 empregados. Nos serviços, são 74%. Será que as micro e pequenas têm condições de contratar todos os seus empregados com uma despesa de 103,46% sobre o salário? A realidade mostra que não. É nelas que mais incide a contratação sem registro em carteira ou com anotação de salário abaixo do que é pago – duas formas perversas de informalidade!

Muitos dirão que a excessiva carga tributária do Brasil é a grande responsável pela informalidade, especialmente, entre os empregados das micro e pequenas empresas. É verdade. Tanto que a criação do programa do SIMPLES em 1996 permitiu a formalização de quase 3 milhões de postos de trabalho nos primeiros anos de sua existência (Cechim e Fernandes, 2000). Mas essa medida poderia ajudar ainda mais se o Brasil tivesse partido para um SIMPLES Trabalhista como fez, por exemplo, a Alemanha no exemplo citado.

A informalidade no Brasil é dramática, trazendo graves prejuízos para os trabalhores e para as finanças públicas. A reforma da legislação trabalhista e previdenciária terá de contemplar esse quadro.

É verdade que leis não criam empregos. Mas leis de boa qualidade respeitam as especificidades dos vários segmentos do mercado de trabalho e ajudam a contratar legalmente. Não é possível tratar mundos desiguais de maneira tão igual! A continuar dessa maneira, querendo impor a lei tamanho único a uma diversidade crescente do mundo do trabalho, o resultado será o aumento da exclusão social.

Até aqui analisamos os 26,5 milhões de empregados e empregadores do setor informal. Ao lado deles há 23,3 milhões que trabalham por conta própria ou pessoas que não têm remuneração. É nesse campo que incide muito o trabalho associativo, em especial, o das cooperativas.

As cooperativas de trabalho têm sido vítimas de uma dupla perseguição. De um lado, são afetadas pelos fraudadores contumazes que insistem em dar as costas para as regras legais do trabalho cooperado, em especial, para a Lei 5.764/71. De outro, sofrem a ação de fiscalistas extremados que querem enquadrar todos os tipos de trabalho no regime do emprego.

A situação não é mais essa. As novas formas de trabalhar vieram para ficar. Elas precisam ser estimuladas e, sobretudo, protegidas – e não perseguidas, pois assim fazendo estaremos contribuindo para aumentar a exclusão social.

É claro que o governo não pode admitir fraudes. A Recomendação 193 da OIT de 2002 explicita a necessidade de evitar que as cooperativas venham a ser usadas para encobrir as relações de trabalho subordinado – o emprego. Da mesma forma, a diversidade de atividades que hoje existem no mercado de trabalho não pode ser tratada de maneira artificial, tentando-se enquadrar o não-emprego dentro da lei do emprego. Quando a Recomendação 193 diz que a legislação das cooperativas não pode ser inferior à que é aplicada às outras formas de organização, isso não significa que ela deva ser igual à legislação que regula o emprego. As boas cooperativas de trabalho já tomaram iniciativas que redundaram na criação de fundos para descanso, educação, treinamento, empréstimos, licenças remuneradas e outros que, no final das contas, oferecem condições tão favoráveis ou mais favoráveis das que são garantidas pela lei do emprego que, na maioria dos casos, é descumprida.

Novamente, a solução não está em desregulamentar. Ao contrário, o desafio para o lesgislador e para o jurista é o de criar proteções maleáveis para os que, na falta do emprego tradicional ou devido à especificidade das atividades, encontram no trabalho cooperativo uma boa maneira de sobreviver e progredir na vida.

Por isso, vejo com muita simpatia o esforço desta Alta Corte ao debater o assunto e querer aperfeiçoar os mecanismos atuais. Afinal, a segurança jurídica é fundamental tanto para os contratados como para os contratantes.

Uma parte da tarefa de modernização das leis para atingir o mercado informal cai no campo de Previdência Social. É imperioso criar um sistema previdenciário específico que seja capaz de, dentro do equilíbrio atuarial desejado, garantir um mínimo de proteção social para os que hoje trabalham no segmento informal.

Esse desafio cai em um terreno comum, no qual a reforma trabalhista se encontra com a reforma previdenciária. Infelizmente, a reforma previdenciária que está no Congresso Nacional não contempla de maneira clara a redução da informalidade. Essa lacuna é séria, pois é nesse segmento que se origina a maior parte do déficit da Previdência Social.

Mas isso pode ser corrigido. O processo não terminou. E pode ser complementado pela reforma trabalhista que está apenas no começo.

Resumindo, o Brasil precisa criar novas regras de proteção para as mais variadas formas de trabalhar. E o trabalho associativo é uma delas. A tarefa está com os juristas e com os legisladores. Se precisarem de ajuda, nós da área econômica podemos contar o que está ocorrendo no mercado de trabalho e quais as tendências que se antevêem para o futuro. Mas nossa tarefa pára aí.

Bibliografia Citada

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"Brasileiros vão à China em Busca de Emprego", São Paulo: Folha de São Paulo, 05/10/03.

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