Artigos 

Publicado em O Estado de S. Paulo. 05/11/1998

A reforma trabalhista

Finalmente, o Poder Executivo decidiu agir para promover a reforma da constituição federal no campo trabalhista, ao propor mudanças na sistemática de negociação, no processo de resolução de conflitos e na organização sindical.

O objetivo da reforma é o de provocar negociações mais sérias entre as partes. Como funcionaria o estímulo proposto?

Com exceção dos setores que englobam as atividades essenciais, todos os demais seriam instigados a negociar à exaustão. No caso de impasse, as partes poderiam recorrer à mediação. Persistindo o impasse, esse seria encaminhado à Justiça do Trabalho – desde que as duas partes assim o desejassem. Nesse caso, os tribunais julgariam o caso escolhendo uma das duas propostas apresentadas – as chamadas "propostas finais".

No Brasil, quase tudo é regulado por lei; a única coisa negociável é o salário

Por exemplo, numa disputa salarial em que o impasse ficou entre a demanda dos empregados, de 15% de aumento, e a dos empresários, que ofereceram apenas 2%, o juiz só poderia escolher um dos dois valores – 15% ou 2% - ou no intervalo entre ambas.

Isso, sem dúvida, eleva bastante o risco das partes, forçando-as a acertar suas diferenças pela via da negociação.

O estímulo da negociação é imprescindível. Mas as partes só podem negociar quando há o que negociar. Estados Unidos, Japão, Nova Zelândia, etc., usam estímulos à negociação porque, naqueles países, as relações de trabalho são reguladas majoritariamente pelos contratos coletivos (negociados) e não pela lei.

No Brasil, quase tudo é regulado por lei. A Constituição federal e a CLT fixam a jornada normal, o turno de revezamento, o valor da hora extra, o piso salarial, o valor do abono de férias, o número de dias de férias, a indenização em caso de dispensa, etc. A única coisa negociável é o salário. Tudo o mais é rigidamente estabelecido em norma constitucional.

Estimulo à negociação é imprescindível, mas ela só pode ocorrer se há o que negociar

A proposta de emenda constitucional encaminhada ao Congresso Nacional mantém rígido um imenso caudal de cláusulas inegociáveis. Por isso, pergunta-se: fortalecer os negociadores para eles negociarem o quê?

O Brasil precisa encarar com coragem a necessidade de tornar flexíveis os direitos trabalhistas. Tornar flexíveis direitos não significa revogar direitos. Para tornar flexíveis direitos, basta dar às partes a liberdade para negociarem o que acharem mais conveniente, respeitados, é claro, os direitos humanos.

Em outras palavras. Precisamos de um dispositivo constitucional que permita às partes escolher entre negociar ou não negociar, garantindo-se que o negociado valha tanto quanto o legislado.

No caso de uma das partes decidir não negociar, continuariam valendo as cláusulas (rígidas) da Constituição federal.

Nesse tipo de ambiente sim valeria a pena dar mais força à negociação e aos negociadores. Mas, sem ter o que negociar, a proposta apresentada dá força para um pobre doente que está engessado da cabeça aos pés e a quem é dada a notícia de que acaba de conquistar a liberdade para se movimentar. O que poderá ele fazer com essa liberdade?

Mas nem tudo está perdido. A falha de lógica da proposta em tela poderá ser compensada pelo Congresso Nacional por intermédio de outra emenda constitucional que venha a alargar o espaço negocial das partes. Aí, sim, a reforma fará sentido.