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Publicado em O Jornal da Tarde, 04/11/1998

Incluídos vs. Excluídos

No caso de um clube privado, parece razoável que os seus mantenedores, através da diretoria e da assembléia geral, estabeleçam os critérios de admissão para os novos membros. é seu direito saber quem são os que desejam entrar no clube, aprovando ou vetando a sua pretensão.

Você acha que o mesmo mecanismo deveria ser aplicado ao mercado de trabalho? é concebível que os trabalhadores de uma empresa ou do seu sindicato possam barrar o emprego para quem deseja trabalhar?

Pois é isso que acontece com a maior parte das leis do Brasil, até mesmo as mais recentes. Por exemplo, a Lei 9.601 de 21 de janeiro de 1998, estabelece que o brasileiro que aceitar uma oferta para trabalhar em regime de prazo determinado só poderá fazê-lo se o sindicato da categoria e os empregados da empresa concordarem com a sua pretensão. Ou seja, o destino dos excluídos depende da vontade dos incluídos. Se estes não concordarem com a referida admissão, o desempregado continuará desempregado.

Ocorre que o desempregado não pode participar da negociação que vai decidir sobre o seu futuro. Sim porque ele não é empregado da empresa; não integra a categoria; e nem é sócio do sindicato - não tendo nenhum direito de voz ou de voto junto aos que decidem sobre sua existência.

Isso é um absurdo num País que precisa estimular o emprego e proteger os desprotegidos.

Esse tema é explorado no mais recente livro de Pietro Ichino (Il Lavoro e il Mercato, Milão, 1996). O direito do trabalho foi originalmente construído para a atividade industrial de massa. Hoje, a realidade é outra. O trabalho industrial decresce, e o comércio e serviços crescem. Os que pertencem à cidadela guarnecida pela proteção das leis são minoria. Mas essas leis lhes dão o direito de lutar com vantagem contra os que tentam invadir o seu território.

O Programa de Estabilidade Fiscal promete reformar a legislação trabalhista. Mas isso tem de ser feito com cuidado, de modo a evitar que os incluídos ganhem mais poder para afastar os excluídos que, no Brasil, constituem quase dois terços da força de trabalho.

O professor Ichino oferece uma estratégia engenhosa para se lidar com esse problema, ao sugerir a participação dos excluídos nos processos que decidem sobre suas vidas. é meio intrigante, não é? Mas vejamos um exemplo.

Suponhamos que todos os desempregados excluídos que se inscrevem como candidatos a emprego nos serviços do Ministério do Trabalho viessem a ter voz e voto, em base paritária com os incluídos, nas assembléias do sindicato convocada para decidir sobre a sua contratação.

Esqueça, por ora, a complexidade da mecânica dessa participação. Medite apenas sobre a idéia de dar voz e voto aos desprotegidos. Você não acha que o resultado daquelas assembléias seria diferente do que é hoje?

Quem está desempregado tem uma maior propensão para inovar, da mesma forma que os ameaçados tendem a resistir às mudanças. A participação dos excluídos encaminharia as leis trabalhistas e o processo de negociação para protegerem quem precisa ser protegido.

Portanto, a reforma trabalhista anunciada terá de contemplar esse novo conceito. Ela precisa ir além dos avanços conseguidos em vários países da Europa porque neles são poucos os mecanismos de incorporação dos excluídos entre os incluídos. O caso da Itália é típico onde o velho corporativismo foi apenas substituído por uma forma sofisticada, mas igualmente nefasta, que é o neo-corporativismo.

No Brasil, a batalha da reforma trabalhista será das mais duras – muito mais difícil do que a da previdência ou a tributária. Ela mexe com todos os brasileiros. Haverá muito desgaste. Por isso, não podemos correr o risco de arquitetar uma reforme que se revele ultrapassada antes da sua aprovação.