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Publicado em O Estado de S. Paulo, 30/07/2002

O programa trabalhista do PT

O programa do PT na área trabalhista faz um diagnóstico objetivo da situação brasileira. O Partido reconhece que a informalidade é tão grave quanto o desemprego. Identifica os grupos mais vulneráveis como sendo os jovens, oe menos educados, as pessoas de meia idade, os trabalhadores do campo e os integrantes de minorias. O programa prioriza as atividades que têm um grande potencial de geração de oportunidades de trabalho para esses grupos: as obras de infra-estrutura, o desenvolvimento agrícola (com reforma agrária) e o turismo.

O PT promete gerar 10 milhões de empregos formais entre 2003-06. Para isso, o Brasil terá de crescer 5% anuais e tomar várias providências nas áreas macroeconômica, tributária, previdenciária e trabalhista.

O diagnóstico apresentado é objetivo. Como chegar lá? O Partido pretende estimular o capital a investir na produção e exportação para gerar empregos. Reconhece ainda que o excesso de contribuições sobre o salário reduz a competitividade e aumenta a informalidade (p. 26).

Depois disso, paradoxalmente, o PT propõe: (1) usar a Constituição Federal para reduzir a jornada de trabalho em 10%, sem redução de salário; (2) aumentar a multa do FGTS na hora da dispensa; e (3) praticamente extinguir as horas-extras.

Essas três medidas, impostas por lei, oneram o trabalho de forma rígida, sem a menor possibilidade de negociação e adaptação - o que espanta o capital em lugar de atraí-lo. Ademais, elas não geram uma só hora suplementar de trabalho - o que é essencial para criar empregos.

Se tais medidas tivessem sido propostas com base na negociação coletiva, como ocorre nas modernas democracias, não haveria o que criticar. Mas, pela via da legislação, é, no mínimo, ingênuo. Quais são as garantias que todos os setores da economia brasileira, de norte a sul, seguirão essa cartilha?

Tais medidas não são neutras. O mercado de trabalho reagirá. Quem puder arcar com o acréscimo de custo do trabalho, vai empregar e remunerar. Quem não puder, vai desempregar ou aumentar a informalidade. Os maiores perdedores serão os trabalhadores que ficarão desempregados ou desprotegidos.

No que tange à modernização da CLT, o PT propõe discussões tripartites permanentes em "Fórum Nacional do Trabalho" (p. 30). Um pacto social?

Conversações tripartites foram tentadas no passado. Em 1979 o então Ministro Delfim Netto propôs ao Lula organizar um fórum para transacionar aumentos salariais moderados por uma trégua de greves. Em 1980-81 foi a vez dos empresários da FIESP buscarem superar a recessão através de um entendimento tripartite. Em 1984, Tancredo Neves, como candidato à Presidência da República, defendeu abertamente um pacto para discutir medidas econômicas e reformas da CLT. Na ocasião, escolheu para o Ministério do Trabalho, Almir Pazzianotto, que, ao assumir o cargo, tentou implementar um plano de conversação tripartite (1985-87) para rever a CLT.

Relato aqui algumas reações dos sindicalistas da CUT e do PT àquelas tentativas. Jacó Bittar (petroleiro de Paulínia) dizia: "Não podemos entrar no jogo da crise. Desemprego é um problema dos capitalistas e do sistema econômico que está aí. Eles que resolvam". Olívio Dutra (bancário do RS) sentenciou: "Essas estratégias visam fazer com que os trabalhadores paguem e fiquem quietos". Na mesma linha, Jair Meneghelli (metalúrgico de São Bernardo do Campo) afirmou: "Pacto diz como os trabalhadores devem calar a boca. Não concordamos em hipótese alguma com essa idéia". Finalmente, Lula sentenciou: "As autoridades e os patrões só falam em pacto quando é para distribuir prejuízos".

A CUT e o PT sempre se mantiveram intransigentes contra a idéia de pacto social tripartite, alegando haver um conluio entre governo e empresários - o que daria 2 a 1, contra os trabalhadores.

A idéia de se "costurar" os anteprojetos de lei de reforma da CLT entre as partes é muito boa e facilita o trabalho dos parlamentares no Congresso Nacional. Mas, quando se lê no Programa do PT a velha noção segundo a qual "os conflitos são parte constitutiva das relações entre capital e trabalho" (p. 29), será que os investidores aceitarão discutir a modernização da CLT em um Fórum Nacional tripartite liderado por Lula no qual o placar mais provável é de 2 a 1 contra eles?