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Publicado em O Estado de S. Paulo, 13/08/2002.

O programa trabalhista de Serra

O programa de José Serra prioriza o trabalho e a segurança. No campo do trabalho, o desemprego é tratado como uma doença que requer três remédios: crescimento econômico, educação de qualidade e legislação atualizada.

O texto usa uma linguagem clara e simples. Mas, por trás de cada frase, há conceitos técnicos que foram rigorosamente respeitados. Por exemplo, para José Serra, o desemprego não se resolve simplesmente com mais empregos, mas sim, com novas "oportunidades de trabalho", reconhecendo que muitas pessoas podem construir suas vidas "em negócios próprios, como trabalhadores autônomos, sócios de cooperativas, etc." (p. 10), o que é bastante realista em vista do declínio da categoria "emprego" e expansão da categoria "trabalho" no mundo inteiro.

Serra visa criar 8 milhões de oportunidades de trabalho - e não apenas de emprego. Mas, ele vai mais longe ao prometer "mais e melhores" oportunidades de trabalho (p. 7), recusando, assim, a precarização que hoje atinge à maioria dos 60% dos brasileiros que estão na informalidade.

Para a criação de boas oportunidades de trabalho, o programa tem prevê mudanças em várias áreas. A primeira diz respeito à aceleração do crescimento econômico através de um conjunto de medidas macroeconômicas e do direcionamento de investimentos para as áreas de maior potencial de trabalho: agropecuária, construção, turismo, educação e saúde (p. 8).

A segunda reforma refere-se a um "choque de qualidade em todos os níveis de ensino a ser realizado através da ampliação dos equipamentos escolares, aperfeiçoamento dos professores e melhoria de sua remuneração - condicionada ao seu desempenho" (p. 9). Para Serra, tudo tem de funcionar na base da contrapartida.

A terceira reforma envolve "a desoneração da folha de salários e a mudança da legislação trabalhista, mantendo-se em lei os direitos básicos dos trabalhadores e ampliando a liberdade de negociação e a autonomia sindical" (p. 11).

Nesse ponto, o programa acrescenta: "É através da ênfase na negociação coletiva que ocorrerão as mudanças na organização sindical de empregados e empregadores..." (p. 11). Essa estratégia se apoia em uma concepção integrada e muito bem pensada do que o Brasil precisa.

A organização sindical é o capítulo mais complexo das relações de trabalho. Para mudá-la, será necessária uma ampla reforma do artigo 8º da Constituição Federal, incluindo redefinições do sistema de financiamento dos sindicatos, do modelo de unicidade sindical, das atuais formas de negociação e do papel e natureza jurídica das centrais sindicais no novo sistema.

São temas explosivos sobre os quais as próprias partes se dividem, e que exigirão duas votações majoritárias e qualificadas em cada uma das Casas do Congresso Nacional.

Serra adotou uma posição pragmática, ao propor a ampliação do espaço de negociação como meio para que as partes descubram o modelo que mais se ajusta às suas necessidades, oferecendo aos parlamentares elementos de realidade para votar um assunto de extrema complexidade.

Na área da Previdência Social, para reduzir a brutal informalidade, Serra propõe, corajosamente, a "criação de um novo regime previdenciário, de caráter contributivo, e dotado da flexibilidade necessária para compatibilizar o valor da contribuição com a flutuação de rendimentos própria da atividade autônoma" (p. 44).

Isso é essencial. É ilusório querer que um trabalhador por conta própria se formalize e direcione 20% de seus ganhos para a Previdência Social, como exige a lei atual, sem falar nas demais despesas decorrentes da decisão.

As reformas trabalhista e previdenciária são tão urgentes quanto difíceis. Serra podia ter se atocaiado por detrás de frases evasivas como fizeram Lula e Ciro em seus programas e, com isso, tentar agradar a gregos e troianos.

O candidato preferiu tratar as questões abertamente. Isso é benéfico para o País embora exija dele disposição e tolerância para enfrentar os ataques dos que procurarão distorcer suas idéias com o propósito de assustar os eleitores e capturar seus votos.

O embate trabalhista-previdenciário será pedagógico para os brasileiros que, muitas vezes embarcam nas canoas dos populistas e neo-corporativistas sem perceber que, com isso, estarão prolongando o seu sofrimento e obstruindo o futuro de seus filhos. Essa é mais uma virtude da democracia.