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Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/10/2005.

Nepotismo na Justiça

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução em sua sessão de 27 de setembro de 2005 que visa acabar com o nepotismo nos vários órgãos do Poder Judiciário. A decisão foi firme. Com base nos princípios constitucionais, o Conselho exige o desligamento de todos os funcionários que sejam parentes de magistrados até o terceiro grau.

Atendo a vários tipos de manobras, o Conselho proibiu também o nepotismo cruzado, ou seja, o caso em que um magistrado emprega um parente de outro magistrado.

Trata-se de uma exigência nacional. Doravante, os familiares só poderão ocupar cargos na Justiça mediante concursos públicos.

Essa decisão, se implementada corretamente, terá um grande alcance. As relações econômicas dependem fundamentalmente da segurança jurídica e da isenção de julgamento por parte dos magistrados. A mera desconfiança de que um funcionário influencie um juiz em troca de favores pessoais (para ambos) gera uma grave intranqüilidade, que não casa com a previsibilidade requerida pelos investimentos e transações na área da economia. Na verdade, isso desestimula investimentos e, por conseqüência, inibe a geração de empregos e o progresso social.

O que se aplica à área econômica, vale também às relações do trabalho, aos desajustes familiares, as disputas de sucessão, etc. Uma Justiça isenta é a alma de uma sociedade civilizada.

Já era hora de se ter uma medida rigorosa nesse campo. O recém criado Conselho Nacional de Justiça está estreando com o pé direito, ao atacar os problemas seculares do nosso aparelho judicial.

Mas, não podemos exagerar. A medida, por mais importante que seja, tem de ser encarada apenas como um primeiro passo de uma longa caminhada, pois, além do emprego direto, há inúmeras outras formas dos parentes praticarem o jogo de influência junto ao Poder Judiciário. Dados de 2001, mostraram que, entre os ministros do Superior Tribunal de Justiça, 36% dos seus filhos eram advogados. Dentre os juizes dos tribunais estaduais, o percentual era de 37%; nos tribunais regionais, 38%; no Tribunal Superior do Trabalho, 42%; e no Supremo Tribunal Federal, 67%! Esses percentuais devem ter crescido nos últimos quatro anos.

Esses dados não mostram toda a realidade porque não levaram em conta esposas, genros, noras, sobrinhos e sobrinhas que exercem a advocacia junto a tribunais onde há magistrados parentes. Este é um grande problema. Muitos parentes de ministros dos tribunais superiores e de outras instâncias do Poder Judiciário mantém escritórios para defender os interesses de clientes junto às cortes onde trabalham seus parentes. É o lobbismo mais perigoso.

É verdade que a lei impede a atuação direta de advogados nos processos sob julgamento de magistrados-parentes. Mas, esse impedimento tem sido insuficiente para evitar o uso de "advogados-laranjas", o que corresponde ao parentesco cruzado mencionado pelo CNJ. Todos sabem como isso funciona: por força da lei, o advogado não defende uma ação na jurisdição de um magistrado parente. Mas, monta todo o processo, prepara o magistrado e repassa a parte formal da entrada e tramitação da ação a um colega de confiança. O monitoria do caso é do primeiro; a rotina processual é do segundo.

O assunto é polêmico, pois a Constituição Federal garante o livre exercício de qualquer profissão. Por isso, o CNJ enfrentará sérios problemas de ordem constitucional para equacionar tais problemas.

De qualquer forma, a busca de uma Justiça isenta constitui a mais importante tarefa do Conselho Nacional de Justiça. A redução da ação de lobbies sobre os juizes, em especial a exercida por parentes, exigirá a construção de um arcabouço de regras suficientemente eficientes para impedir o tráfico de influência que, no caso, é praticado entre advogados e julgadores.

As sociedades mais avançadas erguem anteparos muito mais altos do que os nossos e tornam quase impossível para os filhos e parentes se aproveitarem, direta ou indiretamente, do relacionamento familiar para conseguir favores junto aos juizes. Os códigos de ética são severos e as penalidades são aplicadas com muita rapidez e grande visibilidade. É aí que está o seu grande poder preventivo, pois penas aplicadas com lentidão e às escondidas, são um convite à contravenção.

O problema é velho e está por ser resolvido. A resolução do CNJ foi um importante primeiro passo. O Conselho precisa continuar na sua superior atuação para cobrir a vasta gama de influências nefastas que pressionam os magistrados em todos os níveis do Poder Judiciário. Tenho fé no trabalho desse Conselho. Penso que, gradualmente, chegaremos lá. A Justiça é a alma da democracia e a sustentação da livre iniciativa. Sem ela, é a selvageria e esta não sustenta o desenvolvimento de nenhuma Nação.