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Publicado no Jornal da Tarde, 05/02/00

Empregabilidade

Quem vai conseguir trabalhar daqui para frente? Essa é uma questão que aflige jovens e adultos. Não há família no Brasil que não tenha um ou mais parentes desempregados ou trabalhando precariamente no mercado informal. O quê vai acontecer nos próximos anos?

Trabalhar depende de haver trabalho e ter capacidade. Os postos de trabalho nos dias atuais estão escassos. O crescimento econômico tem sido anêmico. No ano de 1999 o Brasil ficou estagnado. Sem crescimento não há trabalho.

Mesmo assim, muitas vagas ficaram vazias em 1999. Isso mostra que, mesmo havendo postos de trabalho, a sociedade necessita de pessoas preparadas para preenchê-los.

As previsões para o ano 2000 são melhores. As estimativas de crescimento econômico variam entre 2,5% e 4%. Ainda é pouco, pois, para acomodar no mercado de trabalho todos os brasileiros que precisam trabalhar, o Brasil teria de crescer entre 5% e 6% ao ano.

Mas, será um grande passo. Um crescimento de 4% no ano 2000 deve criar cerca de 1,5 milhão de novos postos de trabalho. Se isso se repetir ao longo dos próximos 5 anos, o Brasil poderá atingir a meta de 8 milhões de postos de trabalho estabelecida no Plano Pluri-Anual do governo federal.

Todos torcem por isso, é claro. Mas, o que farão os brasileiros que vão ocupar esses 8 milhões de postos de trabalho? O que precisarão saber? Que tipo de habilidades terão de demonstrar na hora do recrutamento?

O mundo moderno está sendo marcado por uma profunda revolução no campo da empregabilidade. Ser "empregável", hoje em dia, depende de uma série de requisitos que não eram exigidos no passado.

Há pouco tempo realizei uma pesquisa junto as indústrias de São Paulo querendo saber o que os empresários levam em conta para recrutar um trabalhador da produção (mecânico, ferramenteiro, projetista, etc.).

A mesma pesquisa foi realizada há 35 anos atrás. As respostas foram completamente diferentes. Nos dias atuais, para contratar um ferramenteiro, por exemplo, os empresários estão à procura de uma pessoa que tenha: (1) lógica de raciocínio; (2) bom senso; (3) capacidade de apreender novos conhecimentos; (4) condições para ler e entender um manual de instruções em inglês; (5) habilidade para trabalhar em grupo; (6) bom entendimento do que lhe é comunicado; (7) capacidade de se comunicar; (7) e, finalmente, que seja um bom ferramenteiro.

Há 35 anos, as empresas buscavam apenas "o bom ferramenteiro", ou seja, o profissional que lia e entendia de desenhos e era capaz de transferir o que estava no projeto para o torno. Os demais pré-requisitos não eram sequer mencionados. O mercado de trabalho era outro. O modo de produzir era diferente. As exigências eram menores. Era um tempo em que bastava ser adestrado.

Hoje em dia, tudo mudou, não basta ser adestrado. É preciso ser educado. As empresas sabem que é difícil – senão impossível - encontrar no mercado de trabalho um profissional pronto e acabado, que saiba tudo o que é necessário. Por isso, elas estão de olho nos profissionais que têm capacidade de apreender de forma contínua.

Por isso, tem mais chance no mercado de trabalho as pessoas que, além de dominarem bem a sua profissão, possuem uma boa educação geral. É com essa educação que ela vai poder absorver novos conhecimentos e acompanhar a velocidade meteórica da mudança das novas tecnologias e modos de trabalhar. O adestramento passou a ser secundário. O novo binômio é educação e trabalho.

A educação não cria emprego, é claro. Mas ela é essencial para manter as pessoas empregadas e para se conquistar novos empregos.

Hoje, porém, já não basta ter o diploma. O importante é saber e ter competência para resolver problemas. O essencial é ser capaz e possuir conhecimentos raros. Quem possui tudo isso tem também uma alta empregabilidade.

E como chegar lá? Basta ler o que o professor recomenda? Não. É preciso ler, pelo menos o dobro. É preciso se informar constantemente. É preciso ter dentro de si o vírus da curiosidade.

As pesquisas mostram que as pessoas que estão vencendo no mercado de trabalho são as que têm uma verdadeira obsessão por apreender continuamente. E isso depende muito de atitudes. De valores. De formação. De exemplos.

Esses ingredientes estão em falta no Brasil de hoje. Vejam este exemplo. Dei uma palestra, em 1998, para 900 estudantes universitários que estavam interessados em saber a quantas anda o mercado de trabalho nas suas respectivas profissões: médicos, advogados, engenheiros, etc.

No final da conversa, indaguei do grupo quantos haviam sido atingidos pela triste greve das universidades federais que, naquele ano, durou mais de 3 meses.

Cerca de 90% levantaram a mão. Perguntei, então, quantos, durante os dias de greve, estudaram 4 horas por dia. Nenhum moveu o braço. Um quadro chocante. Aqueles jovens perderam 360 preciosas horas de estudo! Tempo que poderia muito bem ser usado para atualizar as leituras, repassar o que foi aprendido no passado, avançar sobre o futuro e explorar outros campos do saber – ou seja, para construir e melhorar a sua própria empregabilidade.

Infelizmente, boa parte dos nossos jovens não está preparada para estudar de forma autônoma. São pessoas que não foram inoculadas com o vírus da curiosidade. Isso é grave num mundo em que o zelo pelo saber e a garra para apreender de forma autônoma e contínua constituem os maiores trunfos no campo da empregabilidade.

Já foi o tempo também em que a empregabilidade era orientada só para os empregos. Nesse tempo, emprego era sinônimo de trabalho. Hoje é diferente. Muitas pessoas têm empregos; outras têm trabalho. Por isso, se você é jovem, prepare-se não apenas para o mundo do emprego mas também para o mundo do trabalho.

Uma das características mais marcantes dos mercados de trabalho do mundo atual é a substituição gradual do emprego fixo, de longa duração e em tempo integral por outras formas de trabalhar. Dentre elas, citam-se o trabalho em tempo parcial, a subcontratação, a terceirização, o trabalho por projeto (que tem começo, meio e fim) e o realizado à distância como, por exemplo, o "teletrabalho" e o "telecommuting".

Essas novas formas de trabalhar exigem novas habilidades e, sobretudo, novas atitudes.

O mundo do trabalho é menos seguro do que o mundo do emprego fixo. Este se baseava numa espécie de relação de casamento de longa duração. O mundo do trabalho se baseia numa sucessão de casamentos, divórcios e recasamentos. Para se sair bem em um ambiente cambiante como esse, tem empregabilidade quem domina não só os conhecimentos de sua profissão, mas também os conhecimentos de profissões correlatas e uma boa capacidade de relacionamento inter-pessoal.

Por isso, estude com afinco a sua profissão, e se informe à respeito das profissões da mesma família. Se você escolheu economia, leia sobre direito, administração e até de engenharia. Se você vai ser engenheiro, vá lendo economia, direito e até sociologia, lembrando ainda que, uma boa base de história não faz mal a ninguém.

Não se atenha aos assuntos da escola ou faculdade. Vá além disso. Entenda que o tempo dos seres humanos já não mais se divide entre trabalho e lazer. Cada vez mais, ele é composto de três partes: trabalho, lazer e aprendizagem. Apreender a dosar o tempo é tão importante quanto apreender novos conhecimentos.

Nos dias atuais, o mercado de trabalho está se tornando cada vez menos benevolente e cada vez mais rigoroso com as pessoas. O tempo do apadrinhamento está acabando. Os empregadores deixaram de contratar afilhados com base nos pedidos comovidos de seus padrinhos. Isso é coisa do passado, quando as empresas podiam passar suas ineficiências para os preços que, por sua vez, eram pagos por consumidores sem alternativa em uma economia fechada.

O velho "pistolão" está morrendo. Preços sobrecarregados pela incapacidade ou preguiça de quem trabalha "de favor", levam as empresas à falência. Ninguém quer correr esse risco. Demonstrar vontade de trabalhar está se tornando um traço fundamental para se conseguir uma oportunidade no mundo do emprego.

No mundo do trabalho, não é diferente. Os que trabalham por conta própria sabem muito bem que ali também a concorrência é acirrada e que as novas oportunidades só vão surgir para quem tem competência, garra, pontualidade, qualidade e bom relacionamento com os tomadores de seus serviços.

O novo século vai se iniciar, portanto, com enormes pressões sobre os seres humanos. Eles terão de saber mais e se comportar diferente. Eles serão desafiados a encontrar um mínimo de segurança num mundo que será, por natureza, bastante inseguro. Eles terão de apreender a construir uma nova base de segurança pois, afinal, as suas necessidades básicas terão de ser atendidas de uma forma ou de outra.

O mundo do trabalho do futuro se apresenta como menos protegido. De fato, as empresas reduzem as posições de emprego fixo sobre as quais tinham uma ampla responsabilidade para com seus empregados. As proteções básicas (aposentadoria, seguro-saúde, seguro-desemprego, etc.) que estavam vinculadas aos vínculos empregatícios, no novo mundo do trabalho, terão de ser portáteis e vinculadas às pessoas e não aos cargos. Será um mundo bem diferente.

Para muitos, esse será um mundo de oportunidades. Para outros, de incertezas. Ambos estão diante de enormes desafios para se manter em condições de trabalhar a maior parte do tempo. Só lhes resta se preparar, e desde já.