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Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/12/1997

Os danos sociais do desemprego

Como resposta à elevação do desemprego, o Ministério do Trabalho promete aumentar o número de parcelas do seguro-desemprego, hoje de 3 a 5, passando-as para de 4 a 6. O que dizer dessa mudança?

No campo do emprego, o seguro-desemprego é um instrumento das chamadas "políticas passivas". Dentre as "políticas ativas" se incluem os investimentos diretos, os créditos seletivos, a educação, a formação profissional, o retreinamento, a reciclagem e a reconversão.

O seguro-desemprego trata as conseqüências do desemprego como danos individuais. No entanto, o desemprego causa também inúmeros danos sociais. No Brasil, as suas conseqüências não se limitam aos 4,5 milhões de desempregados. Elas atingem as pessoas que convivem com eles num processo contangiante, do tipo bola de neve.

O fechamento de uma empresa causa o desemprego dos trabalhadores e perdas para os seus credores. Isso não pára aí. Trabalhadores e credores possuem família, têm dependentes, contraem dívidas, são consumidores, etc. - o que significa que eles afetam conexões sociais de muita interdependência (J. van Langendonck, The New Social Risks, 1997).

Quando grandes massas são expulsas do mercado de trabalho, o estrago é enorme. Trata-se de um triste desperdício de talentos, competências e habilidades.

Em muitos casos, o mercado "alega" que os expulsos não têm mais utilidade. é a catástrofe da obsolescência humana. Para os atingidos, ela é sentida como a perda do futuro. O fim da esperança.

As políticas passivas não dão conta de resolver os danos sociais. Mas, nem por isso podem ser dispensadas. Não tem cabimento discutir se deve ou não haver seguro-desemprgego no Brasil. Esse tipo de seguro é uma necessidade na sociedade moderna.

Todavia, tem muito cabimento discutir se os recursos estão aliviando o problema com eficiência e eficácia. Um seguro eficiente e eficaz é aquele que tem boa "pontaria" e que ajuda quem mais precisa ser ajudado.

A demografia e o mercado de trabalho estão mudando muito. Se compararmos o que ocorre hoje com o que ocorreu há 30 anos, vamos encontrar mais mudança do que continuidade.

Nos dias atuais (1) a participação dos homens na força de trabalho decresce; (2) a das mulheres cresce; (3) o tamanho da família diminui; (4) o número de domicílios com apenas um membro se amplia; (5) a proporção de pessoas trabalhando em tempo parcial aumenta; (6) o pessoal em tempo integral diminui; (7) o desemprego se concentra mais entre os jovens e pessoas de meia idade. Ao lado de tudo isso, verifica-se um forte crescimento do trabalho por projeto, subcontratado, autônomo e outras formas menos regulamentadas.

Um bom seguro-desemprego não pode ignorar essas tendências. Tais fatores afetam a extensão do estrago do desemprego. Em alguns casos, eles aliviam a situação; em outros, agravam. Os danos sociais do desemprego em um trabalhador jovem, solteiro e morador único do seu domicílio tendem a ser menores do que os de um pai de vários filhos, chefe do domicílio, no qual ele é o único gerador de renda.

A maioria dos países do Primeiro Mundo usa tais fatores como critérios na concessão do seguro-desemprego. Na Inglaterra, por exemplo, o valor do seguro é condicionado à situação da família do desempregado. Na Áustria, Irlanda e Espanha, o valor e a duração do seguro estão sujeitos ao fato do(a) companheiro(a) trabalhar ou não. Na Dinamarca, Finlândia, França, Noruega e Suécia, um trabalhador solteiro recebe menos do que um casado. Entre os casados, o valor é menor quando a esposa trabalha. E assim por diante.

Esses ajustes são complexos do ponto de vista administrativo, sem dúvida. Mas eles são essenciais para manter a eficiência e eficácia do seguro. Para os jovens solteiros e com pouca responsabilidade econômica, um valor muito alto pode desestimular a procura de emprego; para um trabalhador de meia idade pode ser uma necessidade.

No Brasil, nada disso é levado em conta na concessão do seguro-desemprego. O País já gasta anualmente a fabulosa soma de US$ 3 bilhões com esse seguro. Seria importante saber, pelo menos, qual é a situação da família do desempregado. Quantos dependem da sua renda? Será difícil chegar-se à justiça social se continuarmos a financiar os desempregados a esmo.

O seguro-desemprego tem estreitos limites para resolver o problema do desemprego e seus danos sociais. Esses limites se tornam ainda mais acanhados quando se ignoram as características dos desempregados.

Seria interessante que, com a mesma presteza com que aumentaram o numero de parcelas para 1998, as nossas autoridades apresentassem à nação uma avaliação do que vem sendo feito e uma política de melhoria da taxa de retorno dos referidos gastos. Aliás, isso vale também para as políticas ativas que, entre nós, consomem outros U$ 3 bilhões. Seis bilhões de dólares é muito dinheiro para ser aplicado sem avaliações rigorosas!