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Palestra apresentada no Dia da Indústria, Federação das Indústrias do Estado do Maranhão,

São Luís 29-05-2002.

Educação, Trabalho e Cidadania no Brasil do Futuro

Os organizadores desta reunião solicitaram uma análise da educação, do mercado do trabalho e da cidadania na vida brasileira dos próximos anos.

A Questão do Trabalho

As mudanças no mundo do trabalho seguem as transformações que ocorrem no mundo das empresas.

As empresas vivem um processo de mutação. As profissões também. Surgem, diariamente, novos modos de trabalhar. A boa qualidade do trabalho é cada vez mais crucial. Na verdade, o trabalho bem feito tornou-se o grande divisor de águas entre vitoriosos e fracassados.

Setores econômicos vão se mesclando. Eu sou do tempo em que a General Motors e a Ford ganhavam dinheiro vendendo automóveis. Hoje, elas geram uma colossal receita, através de seus bancos, emprestando dinheiro. São indústrias que assumiram atividades financeiras.

Eu sou também do tempo em que a General Electric construiu um império mundial vendendo turbinas de avião e tomógrafos para hospitais. Hoje, o grosso de sua receita vem da assistência técnica às turbinas e aos tomógrafos. É uma indústria que fatura prestando serviços.

Eu sou ainda do tempo em que a VARIG ganhava dinheiro transportando passageiros e cargas. Hoje, grande parte dos seus recursos provém da venda da marca Smiles para os cartões de crédito. É uma transportadora que casou com os bancos.

São exemplos da metamorfose das empresas. Nos dias atuais, já não se sabe a que setor uma empresa pertence.

As empresas passam por grande mutação. Há indústrias que entram no campo dos serviços. Outras entram no campo das finanças. Da mesma forma, há empresas do comércio que passam a fazer trabalhos industriais como é o caso da papelaria que, ao adquirir uma máquina xerox e um computador, passa a funcionar como gráficas.

Essa mutação é um fenômeno mundial a ponto de colocar em xeque a tradicional divisão das atividades econômicas em agricultura, indústria, comércio e serviços. A IBM, por exemplo, cresce muito mais no campo da prestação de serviços do que no da produção de equipamentos. Hoje a empresa é a maior prestadora de assistência técnica às gigantes das telecomunicações como é o caso da Alcatel, Luncent Technologies, Nortel e outras. No primeiro trimestre do ano 2001, a empresa registrou um aumento de 16% nos seus lucros, sendo a maioria proveniente da prestação de serviços. A tendência moderna das grandes empresas é de passar os serviços de informática para fora. No início era apenas a contabilidade e folha de pagamentos. Hoje em dia, terceiriza-se a administração de redes, sistemas de telemarketing, "call centers" e várias outras atividades.

As mutações das empresas estão se tornando revolucionárias. A UNILEVER, um dos grupos industriais mais fortes do mundo que fatura US$ 44 bilhões por ano, entrou no ramo da faxina. Para tanto, criou uma subsidiária (MYHOME) com equipes de funcionários que são enviadas aos escritórios, fábricas e residências para fazer o trabalho de limpeza diária. A atividade passou por um bom teste na Inglaterra e começa a ser praticada nos Estados Unidos. Está aí uma empresa que produz o detergente e o utiliza para melhor servir seus clientes.

A McDonald´s, conhecida pelos bilhões de sanduíches que serve em mais de 100 países, partiu para o ramo hoteleiro usando o seu reconhecido know-how nos campos da presteza, higiene e automação. Seus hotéis se destinam a executivos que são hóspedes particularmente exigentes nesses três quesitos. A entrada e saída do hotel são automáticas. Os aposentos são absolutamente limpos. Cada apartamento é completamente equipado com computador, Internet, fax e até cama automática que se adapta à posição favorita dos hóspedes.

No Brasil, as empresas de carro-forte estão realizando o serviço de tesouraria para lojas e supermercado. Esses estabelecimentos passam a usar os espaços para vendas - que é a sua missão principal - e deixam para as empresas transportadoras a tarefa de administrar os recursos. Tais empresas prestam ainda consultoria na área de segurança. O McDonald´s entra no ramo de calçados, capitalizando sobre sua marca. O Unibanco já tem nove salas de cinema e promete crescer muito mais no ramo do entretenimento.

Impactos sobre o Trabalho e o Emprego

O mundo das empresas está passando por uma reviravolta. Isso tem grande implicações para o emprego e para as profissões. Toda vez que uma empresa avança em determinado setor (que é estranho à sua missão original), ela é forçada a incorporar profissionais de outras especialidades - que, por sua vez, são dispensados pelas empresas que contratam os seus serviços. Mas, na nova empresa, esses profissionais enfrentam novos desafios. De um modo geral, as exigências são maiores. A empresa "metamorfosiada" tende a trabalhar com padrões mais altos de qualidade e eficiência que, na maioria dos casos, são próprios das indústrias avançadas como é o caso da General Motors, IBM, VARIG, General Electric, UNILEVER, e outras citadas.

O emprego encolhe nas empresas contratantes e aumenta nas empresas contratadas. Mas não são os mesmos empregados que migram automaticamente de um lado para o outro. Ao contrário, nesse processo de mutação de empresas, os trabalhadores também são demandados a mudar de perfil. As empresas modificadas procuram recrutar quem está perto desse perfil. Além disso, desenvolvem um intenso treinamento em tarefas específicas e ligadas ao novo negócio. Ocorre que tais treinamentos só dão frutos quando as pessoas possuem uma boa educação geral. Por isso, viramos para cá, viramos para lá, e caímos no mesmo lugar: para acompanhar o profundo processo de mutação que atinge as empresas, a educação dos funcionários é o ingrediente crucial. É com base nela que as pessoas conseguirão aproveitar as novas oportunidades de trabalho.

Já foi o tempo em que se podia dividir as atividades em agricultura, indústria, comércio e serviços. Hoje, a interpenetração de setores domina as atividades econômicas. A maior empresa de mineração da Alemanha acaba de comprar uma rede de hotéis. E tudo funcionará de modo integrado.

Essas transformações têm um enorme impacto no mundo do trabalho. Os quadros de pessoal se tornam mais heterogêneos. Os grupos de trabalho são verdadeiros mosaicos de profissões.

Os modos de trabalhar também se modificam. Alguns continuam trabalhando na base do emprego fixo e de forma contínua. Ao lado deles, há os que trabalham por projetos e de forma descontínua. Há ainda os que trabalham como subcontratados, terceirizados, por tarefa, e de várias outras maneiras. Hoje em dia se fala em condomínio de empresas. Em empresas satélites. Em sistemistas.

O Brasil não está fora dessas mudanças. Elas já chegaram. E são decisivas para vencer os desafios da nova economia. Muitas delas estão em franco andamento. De tudo isso, surge um novo mundo do trabalho.

Eu conheço um técnico em raio X que trabalha num grande hospital há cinco anos. Mas, ele não é empregado desse hospital. Os serviços de diagnóstico por imagem são realizados por uma outra empresa, especializada no ramo. Mas ele não é empregado dessa empresa tampouco. Essa empresa possui contratos com outras empresas e com cooperativas de trabalho. O técnico em questão, trabalha numa micro empresa de seu irmão que presta serviços a várias empresas de diagnóstico que servem hospitais. Há centenas de milhares de brasileiros trabalhando dessa forma. Para os fiscais do trabalho, que têm de zelar pela CLT, essa situação é anacrônica. Mas é essa realidade que se multiplica, desafiando as instituições do trabalho.

Conheço uma secretária que, nos últimos cinco anos trabalhou em 12 empresas diferentes. Mas, durante todo esse tempo, ela se manteve empregada de uma só empresa - de prestação de serviços temporários. Como ela, há centenas de milhares de secretárias e profissionais liberais trabalhando dessa forma. Os juizes do trabalho ficam em dificuldade quando têm de julgar um caso desses. Mas são eles que proliferam.

São atividades e profissões novas, decorrentes das mutações das empresas e da evolução do mercado de trabalho. É o analista de sistemas que trabalha para várias empresas e para profissionais liberais. É o "personal trainer" que executa o seu trabalho em várias academias, clubes e casas particulares. É o professor de inglês que dá aulas a executivos na hora do almoço. É a manicura que atende a domicílio. É o trabalhador safrista que não tem condições de superar toda a burocracia para ser contratado por 15 dias. É o limpador de piscinas que vai de casa em casa nas zonas urbanas. É o adestrador de cães.

Preparação para o Trabalho

Como se preparar para essas atividades? Como se preparar para o novo mundo do trabalho?

Como acontece todos os anos, ao se aproximar a época dos vestibulares, o meu e-mail fica repleto com as mesmas perguntas: O que devo aconselhar para o meu filho? Qual é a melhor profissão nos dias atuais? Quem tem mais chance de trabalhar?

Para todos, eu ofereço uma só resposta: apoie o estudante para seguir a profissão que ele diz gostar. Mas, uma vez aprovado no vestibular, convença-o de que, no mundo atual, vencerá quem for o melhor profissional.

O tempo do apadrinhamento está acabando. Os empregadores deixaram de contratar afilhados com base nos pedidos comovidos de seus padrinhos. Isso é coisa do passado, quando as empresas podiam passar suas ineficiências para os preços que, por sua vez, eram pagos por consumidores sem alternativa em uma economia fechada.

Isso acabou. O velho "pistolão" morreu. Até no governo, ele começa a definhar. Há ainda alguns focos de nepotismo, é verdade, mas a imprensa e a sociedade estão no seu encalço, não dando folga a juizes e parlamentares que ainda tentam nomear na base do parentesco ou amizade.

Hoje, o jogo virou. O mercado está se tornando cada vez mais competitivo. Preços sobrecarregados pela incapacidade ou preguiça de quem trabalha "de favor", levam as empresas à falência. Ninguém quer correr esse risco.

A sugestão que posso dar aos jovens é essa. Seja qual for a profissão escolhida, prepare-se para ser bom nela. O sucesso vai brilhar para quem ficar acima da média.

Vivemos num tempo em que não basta ter um diploma. Aprender a conhecer é importante, sem dúvida. Mas, aprender a fazer é muito mais importante. Toda vez que alguém passar na porta de uma firma, que não emprega ninguém há vários anos, e disser ser capaz de resolver o problema da empresa, essa pessoa será imediatamente admitida.

Não estou dizendo que educação cria empregos. Mas, para as oportunidades existentes, sai melhor quem é capaz. Tem mais chance no mercado de trabalho, os que usam bem os conhecimentos que aprenderam.

E como conseguir essa competência? Basta ler o que o professor recomenda? Não. É preciso estudar, pelo menos, o dobro. É preciso se informar constantemente. É preciso ter dentro de si o vírus da curiosidade.

Muitos me dizem: ora, isso não é novidade. O mercado sempre esteve atrás de gente boa. É verdade. Mas a corrida tornou-se frenética com o aumento da competição.

As pesquisas são muito claras. As empresas não esperam contratar quem saiba tudo, mas buscam recrutar quem tem obsessão por apreender continuamente. E isso depende de cultivar o hábito de ler e se informar o tempo todo.

Mas é inútil querer conhecer tudo. Evite submergir no meio de muita informação. Use a Internet com inteligência. Seja seletivo. Não queira ser apenas um bom especialista. O mundo atual exige especialidade e cultura. Sim, porque, nele, você terá de trabalhar em equipes, e a conviver com pessoas de formação variada.

Essa é outra sugestão. Estude com afinco a sua profissão, e se informe à respeito das profissões da mesma família. Se você escolheu economia, leia sobre direito, administração e até de engenharia. Se você vai ser engenheiro, vá lendo economia, direito e até sociologia, lembrando ainda que, uma boa base de história não faz mal a ninguém.

Essa é mais uma sugestão. Não se atenha aos assuntos da faculdade. Vá além disso. Entenda que o tempo dos seres humanos já não mais se divide entre trabalho e lazer. Cada vez mais, ele é composto de três partes: trabalho, lazer e aprendizagem. Apreenda a dosar o tempo. Coloque na sua agenda, as horas de estudo, as de lazer e as de trabalho. Busque o equilíbrio.

Tendências dos Setores

Assumamos que o Brasil venha a crescer de 4% a 5% ao longo dos próximos oito anos. Quais os setores que seriam mais beneficiados em termos de empregos? Quais as profissões mais demandadas? Que tipo de multifuncionalidade pode ser esperada?

A falta de dados impede responder essas questões com precisão. O Ministério do Trabalho dos Estados Unidos tem um departamento exclusivamente voltado para tratar dessas questões (Departamento de Projeções de Emprego do Centro de Estatísticas do Trabalho). Seus técnicos vêm levantando dados desde a década de 50. Com base nisso, eles fazem projeções da expansão ou redução de setores e profissões em cenários de crescimento econômico baixo, médio e alto.

Nós não dispomos de tais serviços. O máximo que se pode fazer é especular sobre o futuro. Mas, como o Brasil já faz parte da economia global, as tendências dos países mais avançados podem servir de base inicial para uma especulação doméstica. Isto está longe de ter o rigor exigido pelo método científico. Apresentarei aqui um esforço modesto de especificar as grandes tendências do mercado de trabalho ficando para mais tarde as correções dos desvios.

Com base em todas essas restrições, o que se pode dizer do nosso mercado de trabalho para os próximos 8 anos, ou seja, até o ano 2010?

Em primeiro lugar é preciso lembrar que as pessoas que vão entrar no mercado de trabalho no ano 2010 já nasceram: que hoje têm 10 anos e todos os adultos que têm até 40 anos de idade.

A força de trabalho no ano 2010 será composta de: (1) a força de trabalho atual; e (2) os que vão entrar; (3) menos os que vão sair por morte, aposentadoria, etc. O que vão fazer? Quais serão as melhores oportunidades?

Esse crescimento deverá ser mais acelerado no setor de comércio e serviços e cadente na indústria e na agricultura. Entre 1986-2000, a proporção de pessoas no comércio e serviços passou de 45% para 60%. A força de trabalho da indústria de transformação, construção civil e agricultura reduziu-se sensivelmente.

É bem provável que a participação da agricultura, pesca e pecuária, que ainda detém cerca de 25% da força de trabalho, caia gradualmente para 15% até o ano 2010. A mão de obra da indústria passe dos atuais 18% para uns 12%. E a de comércio e serviços (incluindo administração pública) venha a subir dos 60% atuais para 73%.

Dentro do setor de serviços, os sub-setores que prometem crescer de forma mais intensa são os serviços de saúde, educação, hospedagem, alimentação, entretenimento, seguros, administração, importação, exportação, corretagem imobiliária e atividades financeiras em instituições não-bancárias,

No setor industrial, o sub-setor mais promissor é o da construção civil e pesada, voltada para a infra-estrutura. O restante da industria, no agregado, deverá aumentar muito a sua produtividade e gerar poucos empregos em relação ao capital investido. No período de 1988-00, o setor industrial aumentou a produtividade em cerca de 7% ao ano. Esse padrão deve continuar.

Em todos esses setores, porém, as oportunidades de trabalho só poderão ser preenchidas por pessoas educadas.

A expansão de um campo tenderá a gerar oportunidades de trabalho em campos correlatos. Tomemos o exemplo da saúde. Basicamente, saúde é atendimento humano. As novas tecnologias médicas permitem diagnosticar doenças até então não-diagnosticáveis e não-tratáveis. Isso prolongará a vida das pessoas, criando a necessidade de profissionais para lidar com os novos equipamentos. O prolongamento da vida, por sua vez, demanda não só serviços de saúde mas também, de seguros, assistência social, psicologia, administração lazer, hospedagem, entretenimento e governo. Ou seja, a saúde puxará uma série de outras atividades.

O prolongamento da vida deverá aumentar também o consumo de vários produtos (medicamentos, dietéticos, vestuário, etc.) mas, neste caso, os ganhos de produtividade ofuscarão a geração de empregos. Este é um bom exemplo para mostrar que as novas tecnologias não são, em si, destruidoras de trabalho humano. Elas podem eliminar um posto de trabalho aqui mas abrem outros acolá.

Tendências Ocupacionais

Em termos ocupacionais, os próximos 10 anos deverão mostrar um aumento na demanda por administradores, técnicos e profissionais liberais. Em contrapartida, haverá uma diminuição de demanda por lavradores, pescadores, ordenhadores, pecuaristas, mineradores, carregadores, office-boys, auxiliares de administração e operadores de máquinas convencionais. De um modo geral, espera-se um aumento de demanda por pessoal com educação pós-secundária e um declínio dos que têm menos do que isso.

Em cada um dos dois universos, porém, haverá variações e exceções. Por exemplo, o campo da administração deve ser promissor, mas o trabalho para as chefias intermediárias deve cair devido ao processo de reestruturação das organizações. O mesmo ocorrerá com o pessoal de apoio administrativo de baixa qualificação (datilógrafos, telefonistas, guardas, seguranças, serviços gerais).

No campo da informática há uma expectativa de aumento para maioria das profissões exceto para programadores e processadores de texto, gráficos e cálculos, pois a sofisticação dos "softwares" permitirá que usuário faça tudo sozinho. Crescerá, porém, a demanda por cientistas, engenheiros e analistas de sistemas e todas as profissões ligadas ao uso do computador como instrumento de diversificação de produção, melhoria da qualidade, aumento da produtividade e atendimento à educação e saúde.

No setor de comércio espera-se um aumento da demanda por vendedores e compradores mas um declínio de almoxarifes e administradores de armazéns pois os estoques serão controlados por computadores.

No setor agrícola prevê-se um declínio geral nas profissões atuais, mas um aumento de demanda por pessoal de jardinagem e protetores ambientais, inclusive de animais (peixes, aves e domésticos).

No setor industrial antecipa-se um declínio da demanda para a maioria das profissões mas um aumento de demanda para técnicos eletrônicos, eletricistas, encanadores, mecânicos, fresadores, marceneiros e outros que venham a se envolver com serviços de manutenção de empresas e aparelhos de uso doméstico e administrativo.

De um modo geral, tenderão a declinar as profissões que independem de grande contato com outras pessoas e a crescer as que envolvem uma intensa interação - agentes de viagem, agentes de seguros, recepcionistas de hotel, garçons, maitres, professores, advogados, assistentes sociais, pessoal de saúde (em especial enfermeiros e para-médicos) e pessoal voltado para em crianças e velhos.

Dentre as ocupações que independem de contato humano, as que mais declinarão são as do setor industrial: montadores de equipamentos elétricos, eletrônicos e de precisão; operadores de máquinas; reparadores; operadores de computadores; etc.

No setor bancário, espera-se um grande declínio nos caixas, atendentes, pessoal auxiliar de administração e até mesmo profissionais de venda. Todos eles serão grandemente substituídos pelos computadores e pelos "cartões inteligentes" que executam ordens e tomam decisões programadas pelos clientes.

O mundo do futuro será permeado por um grande número de profissionais autônomos de vários níveis de multifuncionalidade. Eles envolverão atividades nos campos da administração, cuidados pessoais (crianças, doentes e velhos), reparação e manutenção, treinamento e educação, compras, vendas, corretagem, etc.

Está claro que o mundo do futuro exigirá muita educação e profissionais polivalentes, multifuncionais, alertas, curiosos - pessoas que se comportam como o aluno interessado o tempo todo. Os locais de trabalho e a própria casa parecerão escolas onde se estuda e se apreende de forma continuada.

A produtividade do trabalho deverá aumentar de forma brutal. Com mais informações, estudo contínuo e interação intensa com pessoas bem informadas - tudo isso tornará as pessoas altamente produtivas. A renda nacional deverá dar grandes saltos. A distribuição da renda deverá melhorar. As pessoas trabalharão menos e ganharão mais - ou, pelo menos, igual ao que ganhavam quando trabalhavam nas então superadas condições de emprego fixo em determinada empresa.

Tudo isso é especulação baseada nos sinais e tendências atuais. Mas uma coisa é certa: O Brasil terá de escolher entre muita educação ou pouco trabalho; alta competência ou baixos salários. Quanto menos educada estiver a população, maior será o cinturão de pobreza e miséria do seu país.

As empresas do futuro estarão cada vez mais em busca das pessoas curiosas e interessadas em aprender o tempo todo. Os critérios de seleção já mudaram bastante, e vão mudar mais. Já foi o tempo em que você tinha grandes chances no mercado de trabalho, quando anunciava ser engenheiro, administrador ou economista, formado por um boa faculdade. Isso conta, mas não é tudo.

As empresas pararam de comprar profissões e faculdades. Elas estão atrás de respostas, e, sobretudo, de pessoas que enfrentam a realidade com uma clara, comprovada e indomável disposição de se apropriar do incompreensível.

Por isso, antes mesmo de se formar, fique de olho nas empresas que dão oportunidades para você "apreender a conhecer", "apreender a fazer", e "apreender a ser".

Esta última dimensão é muito importante nos dias atuais. Apreender a ser, é a aprendizagem que constrói a sua marca. A combinação de um espírito combativo, com uma personalidade harmoniosa e um bom comando de si mesmo, é um capital extraordinário num mundo que requer cada vez mais cordialidade, atenção aos clientes, apoio aos consumidores e civilidade na convivência com os colegas de trabalho.

Virou moda publicar estudos e editar revistas que indicam as melhores profissões no mercado de trabalho. Essas publicações são úteis, sem dúvida. Mas, além disso, sinto que os jovens brasileiros estão precisando formar hábitos de leitura que são essenciais para o sucesso em qualquer profissão.

As boas escolas estão conseguindo informar bem, sendo que muitas delas beiram a fronteira da indigestão. Poucas, porém, sabem bem como inocular nos seus alunos o vírus da curiosidade.

Como a maioria das famílias também tem suas dificuldades para injetar nos seus filhos o zelo e amor pelo saber, e instalar neles uma espécie de dínamo do conhecimento, resta aos próprios jovens o desenvolvimento de exercícios de meditação e prática para construírem dentro de si, os indispensáveis ingredientes para vencer a competição dos mercados de trabalho dos dias atuais e do futuro.

Portanto, jovens estudantes de todo o Brasil, educai-vos! Lembrem que o mais importante na sua aprendizagem depende do que vocês vão fazer. Demandem seriedade dos professores. Cobrem as escolas. E, sobretudo, estudem por conta própria.

Cidadania: Da Teoria à Prática

O que é cidadania? É provável que, nesta sala, cada um de nós tem a sua própria definição. Como sou o palestrante, tomo a liberdade de apresentar a minha.

A cidadania é o exercício de deveres e direitos individuais, respeitados os deveres e direitos da coletividade.

Notem que estou colocando os deveres antes dos direitos e isso não é acidental.

James Madison dizia que a cidadania começa com o respeito que os governados precisam ter pelos governantes.

Ela amadurece quando os governantes passam a respeitar os governados.

E chega à sua plenitude quando os governados passam a controlar os governantes.

O controle dos governantes é o último estágio da cidadania e isso depende enormemente do exercício de responsabilidades individuais.

Gostaria de enfatizar o papel das responsabilidades individuais como ingrediente básico para o exercício da cidadania.

Há uma grande diferença entre ser membro de uma sociedade e ser cidadão dessa sociedade. Os membros ficam sentados na arquibancada, aplaudindo ou criticando. Os cidadãos jogam o jogo.

No Brasil, ainda somos mais membros do que cidadãos. Estamos sempre prontos para criticar e ocupados demais para assumir as nossas responsabilidades individuais.

Uma sociedade baseada em cidadania é muito trabalhosa porque o exercício das responsabilidades individuais exige ação. Permitam-se contar aqui o que fiz na eleição de 1998.

No passado, depois de examinar superficialmente a propaganda eleitoral que me enviavam, eu jogava a correspondência no lixo.

No pleito passado, fiz diferente. Respondi a todos os candidatos a senadores e deputados federais que me mandaram santinhos, panfletos, cartazetes, etc., a seguinte carta:

Prezado candidato:

Fiquei honrado ao ser considerado um seu eleitor potencial. Como a única arma democrática que possuo é o meu voto, antes de me decidir, gostaria que você me respondesse às seguintes questões:

Gerar empregos depende muito de aumentar nossas exportações e, para tanto, é necessária uma reforma completa do atual sistema tributário. Que tipo de reforma você vai defender no Congresso Nacional? Descreva o impacto de sua proposta no campo do emprego.

A geração de emprego depende também de uma reforma completa do nosso sistema de relações do trabalho. Que tipo de reforma você pretende defender? Demonstre o seu reflexo da criação de postos de trabalho.

Se você não me responder, esqueça o meu voto, assim como o voto de todas as pessoas às quais vou mostrar esta carta e conversar à respeito da sua conduta.

Se você decidir me responder, comece por fornecer o número do seu telefone celular, pois desejo conversar muito consigo antes e depois da eleição.

Insisto no celular, porque gostaria de evitar ligar para aqueles telefones atrás dos quais se põem batalhões de secretárias para dizer que você está em reunião e não pode atender... Atenciosamente,

Enviei cerca de 40 cartas. Deu um pouco de trabalho, mas não foi tanto. O modelo estava gravado no computador. A minha tarefa foi simplesmente de personalizar a carta e o envelope, colocando-os no correio.

Francamente, achei pouco trabalho em vista do tanto que podemos fazer para melhorar a nossa democracia.

Recebi apenas 3 respostas. E não votei em nenhum dos candidatos porque notei, ao telefonar-lhes, que eles não estavam a par das minhas perguntas que, provavelmente, foram respondidas por seus assessores.

Mas não desanimei. Vou repetir o processo em outubro de 2002.

Chegou a hora de entrarmos em campo. De jogar o jogo. E decidirmos a partida. Para tanto, é indispensável, como jogadores, assumirmos nossa responsabilidade individual fazendo um balanço adequado entre deveres e direitos.

Trabalho e Cidadania

Vou voltar mais adiante a essa questão de deveres e direitos. Permitam-se, agora falar um pouco sobre o papel do trabalho na formação e desenvolvimento da cidadania.

Os problemas do desemprego e subemprego são freqüentemente tratados através dos números frios. Nas suas análises, os especialistas tendem a perder de vista a mais importante dimensão desses problemas: a dimensão humana.

Ao dizer que o Brasil tem cerca de 7% de desempregados nas regiões metropolitanas, esquece-se que os danos sociais provocados por esse desemprego vão muito além dos 7% indicados.

O trabalhador desempregado perde renda. Ao perder renda, ele deixa de pagar seus credores. Portanto, os credores perdem receita. Ao perderem receita, eles deixam de pagar seus fornecedores. E assim, forma-se uma bola de neve que devasta o tecido social.

Mas, além dessas perdas, o desemprego prolongado destroi o senso de utilidade dos desempregados. Afeta a sua imagem. Altera a sua auto-confiança. Mexe com a sua dignidade. Traz dúvidas sobre os direitos dos cidadãos, causando frustração, apreensão e tensão social.

De quem é a culpa do desemprego?

Alguns culpam os trabalhadores: "eles não têm educação suficiente para acompanhar as mudanças".

Outros culpam a legislação: "a lei trabalhista é demasiadamente rígida, desestimulando a contratação de trabalho".

Outros culpam a economia: "o investimento é anêmico e o crescimento é insuficiente para gerar o número de empregos que a Nação precisa".

Quem tem razão? Todos. Os problemas do mundo do trabalho são realmente determinados pela educação, pela lei e pela economia. Cada um desses fatores tem uma enorme parcela de responsabilidade.

Escola e Cidadania

O que se pode dizer da educação, incluindo-se aqui as duas principais instituições que atuam nessa área: a escola e a família?

O que se espera da escola atual para ajudar as pessoas a se ajustar no mercado de trabalho?

Nesse campo já existem alguns chavões que, apesar de verdadeiros, francamente, começam a cansar. "A educação tem de ser flexível, polivalente, multifuncional, tecnológica, informatizada, etc. etc. etc.".

Penso ter chegado a hora de ir um pouco além de constatações óbvias e enfrentar questões mais complexas.

Como oferecer uma educação flexível quando a escola é rígida? Como ensinar polivalência se os professores são monovalentes?

Como inocular a noção de deveres se os alunos só vêem o enaltecimento dos direitos? Como criar o indispensável senso de responsabilidade se a escola reflete a anomia de valores que se dissemina na sociedade?

Parece-me urgente explorar mais detidamente essas dimensões básicas para, depois, alinhar a escola e a família na formação dos verdadeiros cidadãos.

Permitam-me contar-lhes um fato verídico. Dei uma palestra, recentemente, para cerca de 900 estudantes universitários que me carregaram de perguntas sobre as tendências do mercado de trabalho nas suas respectivas profissões: médicos, advogados, assistentes sociais, fonoaudiólogos, etc.

No final de uma longa e agradável conversa, indaguei da platéia quantos haviam sido atingidos pela triste greve das universidades federais que, no segundo semestre de 2001, durou mais de 3 meses.

Cerca de 90% levantaram a mão. Indaguei, então, quantos, durante os dias de greve, estudaram 4 horas por dia. Nenhum moveu o braço.

Foi um quadro chocante.

Foi lamentável verificar que uma enorme massa de jovens universitários perdeu 360 preciosas horas de estudo! Tempo que poderia muito bem ser usado para atualizar as leituras, repassar o que foi aprendido no passado, avançar sobre o futuro e explorar outros campos do saber.

Aqueles jovens, que passaram por tantos anos de escola, não foram preparados para estudar de forma autônoma, não foram trabalhados no campo das suas responsabilidades individuais.

Sim, porque o bom uso daquele tempo poderia ter sido feito por iniciativa total e completa dos próprios alunos - tivessem eles, dentro de si, os valores arraigados da importância do progresso individual.

Disciplina. Curiosidade. Amor ao conhecimento. Zelo pelo saber. Garra.

Todas essas são atitudes absolutamente fundamentais para o exercício da cidadania responsável.

Se cada um tivesse crescido com base nas 360 horas de estudo, a sua voz falaria mais alto. A sua crítica atingiria mais longe.

Os alunos, além de crescer, teriam dado bons exemplos aos professores. Eles estariam mostrando à comunidade que são os jogadores do jogo e não meramente espectadores de uma partida melancólica onde cada um busca direitos desconsiderando deveres.

A Importância dos Exemplos

Esse tipo de conduta autônoma e responsável é básico. Exercer a cidadania depende de ter "cacife". Cacife moral. Cacife de conhecimento. Cacife de exemplos.

Àqueles jovens não foi dada a oportunidade de acumular tais cacifes nem na escola, nem na família.

O mundo de hoje está desvalorizando a importância dos exemplos. Os jovens já não sabem qual é a hierarquia dos valores.

Muitos pensam que o mais correto é não ter hierarquia. O mais grave é que os adultos os seguem, por falta de uma concepção amadurecida da importância da responsabilidade individual e do exemplo na formação de atitudes, valores e comportamentos que são básicos para o exercício da cidadania.

Como podem as crianças estudarem depois do jantar, se os seus pais ficam se divertindo na televisão? Que tipo de exemplo é esse?

Afinal, o que a família deseja dos filhos? Será que ela acha ser possível à escola compensar todos os maus exemplos difundidos no lar?

A preparação para assumir responsabilidades é o ingrediente mais essencial para a formação da cidadania.

A Escola como Fonte de Exemplos

No momento atual, não basta observar o andamento das grandes reformas da sociedade. O exercício da nossa responsabilidade exige que nos coloquemos no centro dessas reformas. E isso dá muito trabalho. Temos de escrever cartas, mandar telegramas, juntar aliados e agir continuamente.

Não tenham ilusões. A vida dos cidadãos é muito mais trabalhosa do que a vida dos espectadores.

Para ser cidadão, não basta criticar. É preciso participar. Não basta votar. É preciso trabalhar para aperfeiçoar a democracia.

Não basta exigir disciplina do lado dos outros. É preciso cultivar, antes de tudo, a nossa auto-disciplina. E isto pode e deve ser trabalhado pela escola e pela família.

A escola tem um enorme trabalho a fazer nesse campo. Os desafios são enormes.

A sociedade moderna precisa construir mais e melhores pontes entre escola, trabalho e cidadania.

A escola está sendo desafiada a desenhar programas educacionais que se enquadrem nas características da vida moderna.

Vejo com simpatia o esforço de se trabalhar os valores, atitudes e condutas na nova concepção da estrutura curricular. Mas, no campo da cidadania, os "Parâmetros Curriculares Nacionais", enfatizam dimensões particulares do exercício da cidadania, tais como, o cultivo dos direitos humanos, a prática da igualdade de direitos, a recusa à discriminação, a defesa do meio ambiente, a prática de discussões e vários outros itens que caem na área dos direitos.

Pouco se fala em deveres. Nada se propõe para desenvolver nas crianças e nos jovens o senso de responsabilidade individual.

O desenvolvimento das responsabilidades individuais exige muitas inovações. Neste mundo em que só se fala em direitos, a escola terá de vislumbrar uma metodologia para demonstrar aos jovens que jamais se chegará aos direitos se não passarmos pelos deveres.

Mais do que isso, a escola está sendo convidada a criar sistemas de ensino que valorizam os deveres da mesma maneira que o restante da sociedade valoriza os direitos.

Parametrizar deveres é um desafio bem maior do que parametrizar direitos.

Escolas Flexíveis

Como instituições transmissoras de conhecimentos, as escolas precisam incorporar muita flexibilidade para poder agir de forma permanente em várias faixas da sociedade e não somente na sua clientela tradicional de crianças e jovens.

Daqui para frente, as escolas terão de manter as portas abertas para os que iniciam a educação e para os que voltam a ela em busca de reciclagem.

Isso implica em pensar em novos horários de funcionamento, em turnos de revezamento, em horários flexíveis, etc. Isso implica em utilizar os sábados, domingos, feriados e dias de férias para atender os que precisam se educar e reeducar.

O desdobramento dessas mudanças desembocará em políticas mistas que combinam a abordagem tradicional com a flexibilidade moderna. Por exemplo, será essencial, ter políticas de educação para crianças, adolescentes, adultos e idosos.

Só dessa forma a escola poderá contribuir melhor para a empregabilidade dos seres humanos em uma sociedade que se torna mais complexa e que depende cada vez mais do exercício das responsabilidades individuais na construção da cidadania.

O exercício da cidadania depende de ter conhecimentos da mesma maneira que a empregabilidade depende de uma educação ajustada aos novos tempos.

Nos dias de hoje, o domínio de conhecimentos e o exercício de condutas responsáveis tornaram-se o capital mais precioso do homem moderno.

Mas, as carreiras estão cada vez mais dinâmicas. Elas não mais percorrem uma trajetória linear como o faziam há 50 anos atrás.

As carreiras avançam em direções diferenciadas. O sucesso depende da educação recebida, da auto-disciplina, do culto à curiosidade e do estudo continuado. E aqui entra outra vez o senso de responsabilidade individual.

Nós sabemos como transmitir direitos. Mas ainda não sabemos como inocular deveres.

O desenvolvimento do senso de responsabilidade individual é a chave da autonomia e da liberdade dos seres humanos. É isso que vai facilitar o nosso envolvimento com os temas maiores da sociedade.

É isso que vai nos permitir controlar os governantes e chegar a um tempo de progresso. De justiça. De pragmatismo. De bem estar.

Essa é a grande tarefa da escola: descobrir os métodos eficientes para gerar dentro das pessoas o senso de responsabilidade para que elas possam desfrutar as oportunidades de liberdade.

Penso que esses métodos terão de se basear mais nos exemplos e menos na doutrinação.

Exemplos, Responsabilidade Individual e Cidadania

Na minha vida de professor, o que mais me gratificou foi o fato de lecionar anos a fio aos calouros de 17, 18 e 19 anos. Tratam-se de jovens que entram na universidade com muita curiosidade, interesse e esperança. Eles chegam com uma chama de saber que vale a pena ser cultivada.

Sempre lecionei às 7:30 hs. da manhã. Sistematicamente, eu entrava na sala de aula às 7:25 hs. e fechava a porta, com chave, às 7:30 hs.

As reclamações no início do semestre eram sempre as mesmas:

"Professor, atrasei-me um minuto e perdi a aula. Isso não é justo. Eu não fiz de propósito. O dia estava chuvoso e o trânsito, terrível...".

Depois de 2 ou 3 semanas de aula, os alunos pediam uma reunião para discutir o assunto - ao que eu atendia, fora do horário de aula.

Os anos foram passando, os alunos eram sempre diferentes, mas o pedido era sempre o mesmo. Eles queriam uma tolerância de 5 minutos.

Pacientemente, eu procurava examinar as vantagens e desvantagens daquela medida.

A primeira reunião nunca era conclusiva. Eu mesmo procurava deixar algumas questões para eles pensarem:

O que eu deveria fazer com o aluno que chegasse às 7:36 hs.?

Perguntava ainda se não havia o risco de todos os alunos considerarem 7:35 hs. como horário normal. E assim por diante.

Através de conversas pausadas, íamos falando sobre hábitos, condutas, valores, atitudes, etc.

E, evidentemente, falava muito sobre os meus próprios hábitos.

Começava por enfatizar o respeito que tinha por eles ao dizer:

"Vocês são jovens inteligentes, cheios de vida e movidos pela curiosidade e vontade de aprender. Vocês merecem o melhor de mim. Por isso, chego sempre às 7:00 hs., subo para a minha sala, faço uma revisão final da aula anteriormente preparada, desço às 7:20 hs., tomo um café no bar da faculdade e entro na sala às 7:25 hs.

Preciso cultivar a calma e a tranqüilidade para fazer um bom papel. Aos que estão na sala eu dou toda a atenção. Respondo todas as perguntas. Entrego-me inteiramente a elas, num clima de máxima interação e intimidade".

Perguntava, então, se a eles parecia justo que esse clima fosse interrompido por retardatários. A resposta sempre foi não. E isso era um bom começo.

Em seguida, dizia a eles que, nos meus 35 anos de ensino, atrasei-me 3 vezes. Só que, por moto próprio, nunca entrei na sala de aula e sempre pedi para a universidade descontar o meu dia de trabalho por considerar esse lapso como um profundo desrespeito aos alunos.

Para finalizar, perguntava aos membros da reunião por que eu, com os meus 60 anos podia chegar às 7:00 hs. e eles com seus 18 anos não podiam chegar às 7:30 hs.?

Era uma longa troca de exemplos de condutas que, por fim, convencia os alunos a chegar às 7:20 hs. e aproveitar a minha oferta de pagar um café para todos para, com calma e tranqüilidade, começarmos a aula, todos juntos, às 7:30 hs.

Deveres, Direitos e Poder

O ensino dos deveres dá muito trabalho. Os métodos sofisticados pouco ajudam. A formação das responsabilidades individuais depende de coisas simples, de bons exemplos.

É através dos exemplos que as pessoas formam hábitos arraigados e passam a exigir igualdade de tratamento, neste caso, com muita moral, pois elas mesmas praticam o que desejam antes de reivindicar.

Ao adquirir essa sistemática de comportamento, podemos passar à fase seguinte para, então, dizer um basta aos que insistem em fazer o poder fluir de cima para baixo.

Para deixar claro que o poder precisa florescer nas mãos dos cidadãos comuns.

Assim como nós respeitamos e controlamos os governantes, os governantes têm de respeitar os governados.

Afinal, os seres humanos não são objetos. São cidadãos de opinião. De vontades. De valores. De atitudes. De deveres. E de direitos.

Gosto muito da sabedoria inglesa. Os ingleses costumam dizer que, muitas vezes, as nossas faces são pressionadas tão fortemente contra os vidros da janela que isso nos impede de perceber a escala das mudanças e até mesmo a sua direção.

O mundo avança de maneira veloz. E essa velocidade aumentará cada vez mais.

De nada adianta dizer: parem o mundo que eu quero descer.

Para nós, só resta nos adaptarmos à velocidade do mundo.

As mudanças sociais têm sido mais rápidas do que supomos. Olhemos para trás.

Há cerca de dez anos, o muro de Berlim estava em pé. A cortina de ferro era impenetrável. A União Soviética era uma fortaleza. Nelson Mandela era um prisioneiro. O Japão era a menina dos olhos dos desenvolvimentistas. A Ásia dava um show de crescimento. O FMI era uma cidadela fortificada. E Fernando Henrique se dizia um esquerdista.

Quem diria que tudo isso seria revirado de pernas para o ar em poucos anos?

O muro caiu. A cortina se abriu. A União Soviética ruiu. Nelson Mandela é líder da democracia mundial. A economia japonesa desabou. A Ásia provocou uma crise planetária. O Fundo Monetário Internacional ficou sem fundos. E Fernando Henrique é acusado de néo-liberal.

Cidadania e Mudança Social

Será que estamos no fim de um processo de mudança? Penso que não.

Esse é apenas o começo. Os motores da mudança estão cada vez mais ativos. Quais são eles?

Em primeiro lugar, a globalização. O mundo encolheu.

A eletrônica acabou com as distâncias. Foi o fim das fronteiras. O fim das barreiras. O fim da geografia.

Em segundo lugar está o colapso das ideologias.

Morreu o debate entre esquerda e direita.

Nasceu a batalha pela qualidade de vida. Pela saúde do povo. Pela educação. Pelo direito de ser bem informado. E de questionar os governantes.

O mundo de hoje quer resultados concretos e não tertúlias especulativas.

No campo do trabalho, a redução do desemprego e a geração de bons empregos são as melhores medidas de eficiência social dos governos.

É isso que queremos cobrar dos governantes. Essa é a forma de controlar as suas ações.

Para o povo, pouco interessa orçamentos complexos ou demonstrações contábeis. O que interessa são os resultados.

De quanto diminuiu a evasão escola? De quanto diminuiu a reprovação? E a mortalidade infantil?

Quantos empregos foram gerados? Quantos foram destruídos. Qual foi o saldo final?

Temos de fazer essas exigências. É isso que nos transforma de espectadores em jogadores. Não podemos poupar as cartas, os faxes, os e-mails, as reuniões comunitárias e tantas outras oportunidades nas quais os governados devem exercer o controle dos governantes.