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Publicado no Estado de São Paulo>, 23/02/2017.

Trump, crescimento e deportações

Nos dias atuais, os empregadores americanos do setor da construção civil e pesada estão lutando para recrutar e reter empregados: 85% das empresas não conseguem preencher as 200 mil vagas de pedreiros, carpinteiros, eletricistas, pintores, motoristas e outros. Nos últimos dois anos, os salários subiram 15% em termos reais, encarecendo o custo das obras. Não é para menos. O desemprego nos Estados Unidos é de apenas 4,8%. O mercado de trabalho está apertado.

A participação de imigrantes na economia americana é expressiva. São cerca de 30 milhões de trabalhadores ou 17% da força de trabalho. No setor de construção civil e pesada, essa participação sobe para 35% – e mais do que isso nos Estados do sul, na Califórnia, em New Jersey e em Nova York.

Por maior que seja a ajuda das máquinas e robôs no setor industrial, na construção, a participação da mão de obra ainda conta muito. Por se tratar de trabalhos pesados, penosos e perigosos, isso afasta o interesse dos americanos nativos e torna estratégica a participação dos imigrantes. Como substituir essa mão de obra no curto prazo?

Este é um enorme desafio para o presidente Donald Trump, que pretende promover uma deportação em massa de imigrantes. Com as medidas anunciadas nesta semana, ele ameaça pôr em prática um rito sumário para expulsar os imigrantes que estão no país há menos de dois anos e os que estão tentando regularizar seus documentos. É uma ampliação da chamada "remoção acelerada" que hoje é usada para quem é pego atravessando a fronteira.

Trata-se de grande complicador para a economia americana. Entre os imigrantes, cerca de 50% são hispânicos, na maioria, mexicanos – os mais hostilizados. Uma deportação em massa criará problemas em várias atividades em que a participação dos imigrantes é ainda mais expressiva do que na construção – agricultura, transporte, manutenção e limpeza, alimentação, serviços em bares, restaurantes, hotéis e outros. Tais atividades são igualmente rejeitadas pelos americanos nativos.

A remoção acelerada dos imigrantes se choca com o equilíbrio hoje existente no mercado de trabalho americano. A população formada pelos americanos nativos está envelhecendo depressa. A oferta de mão de obra tem sido garantida por uma clara divisão do trabalho entre nativos e imigrantes.

O desequilíbrio apontado terá reflexos econômicos não desprezíveis, a começar pela escalada dos salários e disparada da inflação, com prejuízos para os consumidores, os investidores e os próprios trabalhadores.

Em relação a Trump, parece difícil, senão impossível, de prever seus próximos passos. Mas, à luz das suas recentes declarações no hangar do Aeroporto Internacional de Orlando, na Flórida, o sonho de reeleição está mais vivo do que nunca. A pretensão de fazer o país crescer 3,5% ao ano ao longo de seu período de governo é o trunfo para buscar um novo mandato. A redução de impostos e os investimentos de US$ 3 trilhões para remodelar a infraestrutura americana são as duas principais ferramentas para viabilizar os seus planos.

Tudo bem. Mas de onde virá a mão de obra para tocar a construção de estradas, aeroportos, pontes, etc.? Quem colherá as laranjas, cerejas e tomates nas fazendas? Quem lavará os pratos nos restaurantes das grandes cidades? Tudo isso fica inviável se Trump realmente apertar as deportações em momento de grave escassez de trabalhadores em vários setores da economia. Haverá robôs para substituir, repentinamente, o trabalho humano nas atividades indicadas? Penso que não.

Professor da Universidade de São Paulo, é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras