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Publicado na Revista Concerto>, Outubro de 2016.

Música na rua bom para o povo, melhor para os músicos

Como seu avô, Sergei Prokofiev, o jovem Gabriel Prokofiev é também compositor de músicas para orquestras sinfônicas, grupos de câmara, ballet e filmes. É um jovem de 40 anos. Estudou nas melhores escolas de música de Londres. Com toda essa bagagem, ele leva a música clássica ao grande público londrino, fazendo apresentações em praças, clubes, restaurantes e outros ambientes de grande público. Ele costuma dizer: "É óbvio que todo artista quer comunicar a sua arte para as pessoas de sua idade. Por isso decidi ir a elas".

Fiquei muito feliz ao saber que a Sinfônica Heliópolis iniciou um projeto para levar a música erudita às ruas de São Paulo, tendo como apoiador, o competente promoter cultural que é Gilberto Dimenstein.

A estréia realizada na Vila Madalena no sábado, 27 de agosto p.p., foi um marco histórico para a vida cultural de São Paulo e do Brasil em vista do enorme sucesso alcançado junto ao público presente e as grandes massas que assistiram pelas redes sociais.

Ficou mais uma vez provado que nosso povo gosta de música de boa qualidade e de todos os tipos. Ali aplaudiram compositores clássicos e populares. Todos com o mesmo entusiasmo.  

A música tem lugar em todos os ambientes. Nos teatros, o público faz silêncio para usufruir dos detalhes da execução. Nas praças públicas, o público mescla atenção com "tiradas" descontraídas. Nos dois ambientes, a música enche os corações. Com uma diferença: nos teatros, são apenas algumas centenas de privilegiados; nas ruas, são milhões de contemplados.

Nas ruas, os músicos entenderam bem o novo cenário. E gostaram do que ouviram. Muitas vezes, foram aplaudidos no meio das peças, o que não costuma ocorrer nas salas de concertos. Outras, vibraram com os suspiros ouvidos à distância, o que tampouco e ouve nos ambientes mais sóbrios. Mas foram manifestações que fizeram os jovens da Sinfônica Heliópolis a se empenharem tanto quanto fazem na Sala São Paulo.

Foi uma arrancada exitosa. Já houve uma segunda apresentação, com igual sucesso.

As orquestras sinfônicas do mundo todo estão lutando para atrair a atenção dos mais jovens. Heliópolis descobriu a chave para superar esse problema: já que os jovens não vão aos teatros, os músicos vão ao encontro dos jovens, nas praças, nas escolas, nos clubes, nos restaurantes, nas bibliotecas e nas redes sociais - outros ambientes de alta freqüência de jovens.

A ida da música ao grande público, está se alastrando no mundo todo. Nos Estados Unidos, inúmeros conservatórios musicais estão preparando seus alunos para os teatros e para as ruas. Em San Francisco, muitos jovens tocam Bach, Mozart e Beethoven regularmente nos cafés da cidade. No Brooklin (New York), grupos de cantores levam trechos de ópera aos bares e restaurantes. Em Boston foi formado um grupo que leva música de câmara aos domicílios, em festas e reuniões. O mesmo ocorre na Europa. Em Berlim, cantores de ópera se apresentam todas as noites em restaurantes e clubes onde os não iniciados na música clássica começam a perceber a sua beleza. O famoso celista israelense Matt Haimovitz tem obtido o maior sucesso apresentando peças de Dvorak e Elgar em pizzarias. O grande pianista norueguês Aksel Kolstad montou um show no qual apresenta peças famosas de música clássica, "regada" a comentários jocosos sobre os compositores e executantes da época. O povo delira! (Ver "Bringing classical to the club scene", Londres: International New York Times, 24 de agosto de 2016).

Em toda essa fantástica cruzada está embutida uma grande revolução: a ida da música sinfônica ao grande público abre enormes oportunidades de trabalho para os jovens músicos. Sim, porque o mercado de trabalho para essa profissão é bastante difícil. Poucas são as orquestras de alta qualidade e que oferecem salários adequados e de forma estável e contínua para os recém formados em música.

No Brasil, são muitos os músicos que vivem de "cachés" recebidos quando tocam em um programa de televisão, numa festa de casamento ou numa missa de sétimo dia. Mas, esses trabalhos são intermitentes e casuais, o que torna a sua renda insegura e incerta. A produção de CDs e DVDs igualmente é esporádica e dificilmente um músico pode depender dessa atividade para viver.

Tudo isso sugere que, ao se multiplicar em outras cidades e estados do Brasil, a ida da música ao grande público abrirá de forma ampla e contínua as oportunidades de trabalho para os ricos talentos que se formam nas escolas de música do nosso país. O próprio Instituto Baccarelli, onde está a Sinfônica Heliópolis, educa mais de 1.000 alunos por ano e com alta qualidade. Prova disso é que as melhores orquestras do Brasil recrutam egressos daquela Entidade. Mas, repito, são oportunidades limitadas. No total, não chegam a contratar 100 ou 200 músicos anualmente. Isso é frustrador para os jovens que se formam com tanto brilho e que amam o que fazem.

É por isso que mencionei acima tratar-se de um marco histórico o projeto iniciado pela Sinfônica Heliópolis ao levar a música para as grandes massas. Além de enriquecer culturalmente os que ouvem, essas apresentações abrirão um novo e importante mercado de trabalho para nossos jovens músicos. O Brasil será diferente daqui a cinco ou dez anos quando essa idéia estiver incorporada no cotidiano das cidades brasileiras. Por isso, cumprimento com entusiasmo os patrocinadores dessa bela idéia.

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José Pastore é professor da Universidade de São Paulo e membro dos Conselhos do Instituto Baccarelli e da OSESP. Faz parte da Academia Paulista de Letras.