Depois de quase 20 anos de discussões, o Congresso Nacional parece inclinado a aprovar, de uma vez por todas, a regulamentação da terceirização. O projeto de lei que mais avançou no período é o PL nº 4.330/2004, de autoria do ex-deputado Sandro Mabel.
A matéria tem sido precariamente regulada pelo Tribunal Superior do Trabalho por meio da Súmula nº 331, segundo a qual as empresas são impedidas de contratar serviços relativos à atividade-fim — conceito bastante nebuloso e sujeito a grande variedade de interpretações por parte dos magistrados e enorme insegurança jurídica para quem contrata.
A discussão da matéria é infindável. E, no meu entender, desnecessária porque o mais fundamental na terceirização é garantir as proteções trabalhistas e previdenciárias a todos os trabalhadores, pouco importando se atuam nessa ou naquela atividade. O Projeto de Lei nº 4.330/2004 caminhou nessa direção até quando, na versão final, o relator, deputado Arthur Maia (Solidariedade/BA), decidiu indicar que a terceirização tem de ser limitada a uma "parcela de qualquer atividade da contratante". O termo "parcela" é igualmente vago e dará ensejo a nova onda de discussões na Justiça do Trabalho. Qual é a parcela que pode ser terceirizada? E a que não pode?
Os que são contra a terceirização argumentam que ao permitir a contratação de atividades-fim, as empresas despedirão os empregados para operarem inteiramente por terceiros. É um absurdo. Nenhuma empresa arriscará terceirizar atividade estratégica. É impensável para um banco, por exemplo, terceirizar os caixas, pois, nessa função, os bancários lidam com vultosas somas de dinheiro sobre as quais os banqueiros têm enorme responsabilidade, mesmo porque elas não pertencem ao banco e sim aos clientes. Da mesma forma, é impensável para uma indústria siderúrgica terceirizar a aciaria, pois a operação dos complexos laminadores e seus complementos é uma atividade contínua, de extrema delicadeza e que não é seguro transferir a terceiros.
A terceirização é realidade. As empresas modernas fazem parte de cadeias produtivas em que predomina grande divisão do trabalho que otimiza tempo e especialização. Assim é no mundo inteiro. A Toyota do Japão, por exemplo, trabalha com 500 fornecedores que, por sua vez, se associam a 2 mil empresas terceirizadas. No conjunto, a cadeia de empresas produz um veículo que é campeão mundial de vendas, com preço atraente e qualidade convincente. Como resultado, os investimentos crescem e os empregos se multiplicam.
A divisão do trabalho é essencial não só para as empresas, mas, sobretudo, para os consumidores. Imagine quanto custaria um apartamento se a construtora, em lugar de contratar serviços de terceiros especializados (tratoristas, concretistas, pedreiros, azulejistas, eletricistas, encanadores, pintores, vidraceiros etc.) tivesse de realizar todas as atividades com profissionais próprios que, ao completar as tarefas, ficariam na ociosidade o resto do tempo. O preço seria exorbitante. Pobre consumidor! Adeus controle da inflação. Adeus empregos.
O PL nº 4.330/2004 tramita há mais de 10 anos. Foi suficientemente debatido. Não é o projeto dos meus sonhos. Mas ele garante as proteções que os trabalhadores necessitam e dá segurança jurídica para quem contrata seus serviços. O deputado Sandro Mabel, autor da propositura, costuma dizer que o projeto é o estatuto de proteção do trabalhador terceirizado. Ele tem razão, pois a proposta garante proteções — todas necessárias — que nem a CLT nem a Súmula nº 331 do TST asseguram. Se aprovada, a nova lei exigirá que as empresas contratantes fiscalizem as empresas contratadas no que tange ao cumprimento das responsabilidades trabalhistas e previdenciárias em relação aos empregados, podendo reter os pagamentos da contratada no caso de inadimplência.
O projeto exige ainda objeto único e especialização por parte contratada, acabando com os contratos tipo guarda-chuva por meio dos quais a prestadora de serviços, sem nenhuma especialização, repassa profissionais de todos os tipos às contratantes, como fazem os gatos na zona rural. Ademais, o PL ampara importantes proteções humanas como o acesso dos empregados das contratadas ao ambulatório da contratante, às facilidades de alimentação e ao transporte equiparando-os nesses campos aos seus empregados.
A lista de proteções incluídas no PL 4330/2004 é longa e vai muito além das garantias dos atuais diplomas legais. Isso é o prioritário e não a distinção entre atividade meio e atividade fim. Eu mesmo já visitei empresas que contratam apenas atividades meio, seguindo as regras da Súmula nº 331, onde os empregados da contratada não têm acesso sequer aos banheiros da contratante e muito menos ao seu ambulatório, refeitório ou transporte. Pergunto: de que adianta garantir o trabalho na atividade meio se não se garante o que há de mais humano no rol das proteções dos trabalhadores? Penso que é hora de a Câmara dos Deputados fazer pequenos ajustes e aprovar o PL nº 4.330/2004, encaminhando-o ao Senado Federal.
Professor da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras – Correio Braziliense – 03/04/2015