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Publicado no O Estado de São Paulo, 08/10/2013.

Made in the world

Nos dias de hoje, praticamente inexiste produto que seja feito inteiramente por uma só empresa. Tome o caso de um tênis: quem faz a sola não faz o "tope"; quem faz o cordão não faz os ilhoses. A produção é altamente fragmentada, tudo propelido pelas novas telecomunicações e informática e pela melhoria do transporte e logística. A fragmentação sempre existiu, mas jamais se viu tamanha velocidade e abrangência. Hoje, os produtos unem esforços de várias empresas do mesmo país ou de países diferentes, chegando a um produto que deixou de ser made in USA ou made in Japan. Estamos no tempo do made in the world.

Os bens industriais são frutos de inúmeras interconexões das chamadas "cadeias globais de valor", que incluem atividades que vão da concepção do produto à venda ao consumidor, por preço atraente. O vestido que a mulher compra na loja percorreu velozmente um longo caminho do qual participaram pessoas e empresas das mais variadas procedências e atividades.

Infelizmente, a maioria das empresas brasileiras está fora das cadeias globais de valor. Mesmo as que brilham, fazem-no com restrições. A Embraer, por exemplo, líder da cadeia mundial de produção de aeronaves médias, se concentra na concepção e montagem dos aviões, e não na produção dos milhares de componentes das aeronaves - todos importados da China, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Alemanha, EUA e outros países que são líderes de cadeias globais de valor em vários setores (Timothy Sturgeon e colaboradores, Brazilian Manufacturing in International Perspective, CNI, 2013).

O impacto das cadeias globais de valor é imenso. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1995 a 2010 elas alavancaram em 50% a interdependência das economias dos países do G-20. Isso foi essencial para a competitividade das empresas e das nações.

No campo do trabalho, capacitação, especialização e relações de trabalho são estratégicas. Nas cadeias globais de valor, alguns trabalham de forma fixa e por prazo indeterminado na mesma empresa; outros trabalham como freelancers. Há ainda uma imensidão de contratados e subcontratados com vários tipos de vinculações.

A terceirização é amplamente praticada, dentro e fora do país de origem das empresas. Caiu por terra o mito de que as cadeias globais precarizam o trabalho humano. Ao contrário. Por serem complexas e altamente tecnificadas, elas vêm induzindo à melhoria da qualificação dos profissionais e elevando sua empregabilidade, produtividade e renda. A literatura sobre o assunto está repleta de comprovações dessa natureza (Gary Gereffi e colaboradores, The governance of global value chains, Review of International Political Economy, 2005).

O sucesso dessa gigantesca articulação de empresas depende também da melhoria das instituições e da retaguarda dos negócios. O estudo da OCDE deixa claro que a desburocratização, a segurança jurídica no cumprimento dos contratos, a logística eficiente e as comunicações rápidas respondem por mais de 50% do sucesso das cadeias globais de valor. Investimentos em pesquisa, inovação e educação de boa qualidade respondem pela outra metade.

Os que ignoram a interconectividade da economia moderna, a necessidade de especialização e de relações de trabalho modernas condenam seus países a uma triste estagnação. É isso que estão fazendo os que combatem a regulamentação da terceirização entre nós. Se as suas teses vencerem, o Brasil será uma nação marginal e desatualizada no cenário das cadeias globais de valor e os consumidores continuarão pagando preços exorbitantes por tudo o que compram e consomem.

Para evitar esse quadro, precisamos aprovar imediatamente as reformas institucionais que induzem as empresas a entrar e participar ativamente nas grandes cadeias globais de valor. Isso é crucial não apenas para exportar, mas, sobretudo, para bem competir internamente.