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Publicado no Estado de São Paulo, 29/01/2013.

Crise e mudança de hábitos

Peço ao leitor a devida vênia para apresentar informações geradas não por pesquisas, como sempre faço, mas por relatos de pessoas atentas e que acompanham a evolução da crise nos países ricos. Há desdobramentos inusitados.

Os jornalistas Guilherme Serôdio e Marta Nogueira informam, por exemplo, que a crise pode reduzir o afluxo de estrangeiros para o próximo carnaval do Rio de Janeiro. A diminuição da presença de empresários europeus e americanos já fora percebida no carnaval de 2012 e deve se agravar em 2013 ("Crise na Europa muda o perfil de turista no Rio", Valor, 17/1/2013).

Os dados que chegam da Europa mostram, de fato, que os europeus estão bem mais cautelosos no gastar. Para a maioria das famílias, a troca do carro vem sendo anualmente adiada. A indústria sente isso e seus lucros encolhem. No geral, o consumo de bens e serviços caiu 1% no ano passado e a confiança dos consumidores chegou ao seu nível mais baixo desde 2009. Estes passaram a se servir de lojas e marcas mais baratas em substituição às que sempre compraram (Sam Schechner, "Consumidores europeus não querem saber de gastar", Wall Street Journal, 6/8/2012).

Relatos da imprensa europeia indicam que o lazer doméstico também foi afetado. As salas de cinema estão mais vazias, os restaurantes já não têm fila de espera e muitas famílias adiaram as férias - sine die. Em alguns países há registros de cortes de gastos até mesmo de telefone celular. Só em 2012, mais de 1 milhão de linhas foram abandonadas (Álvaro Fagundes, "Com crise, europeu corta celular, cinema e academia", Folha, 12/8/2012).

A escalada do desemprego afeta não apenas os desempregados, mas também os que continuam trabalhando e temem ficar sem o emprego a qualquer momento. A própria capacidade de as pessoas socorrerem familiares em dificuldade está diminuindo. Até italianos estão sendo forçados a viver sem a "nonna", pois os idosos foram forçados a trabalhar fora de casa e não podem cuidar das crianças. Os que já trabalhavam tiveram de "convidar" filhos, genros e noras a saírem do abrigo familiar por causa da insolvência dos idosos (Nadia S. Cohen, "Italianos aprendem a viver sem a nonna", Wall Street Journal, 22/6/2012).

Os mais velhos estão sendo forçados a trabalhar mais tempo também em razão das mudanças nas regras da aposentadoria. Muitos países já fixaram a idade mínima em 62 anos, outros já chegaram a 65 e um bom número chegará a 67 anos em pouco tempo. Na Dinamarca, a idade será de 69 anos em 2020.

Também nos Estados Unidos a crise levou as famílias a gastarem menos e poupar mais. O consumo sofreu uma redução porque, em menos de cinco anos, a taxa de poupança passou de zero para 5%. Vários hábitos gastadores vêm se modificando. Os shows da Broadway sofreram um baque em 2009-2011, tendo se recuperado parcialmente em 2012. As férias perdulárias foram cortadas na maioria das famílias. As que perderam suas casas eliminaram não só férias, como também a troca de carro, a renovação do guarda-roupa e a alimentação fora de casa. Nas grandes cidades, o café levado de casa substituiu o comprado nos bares (Marcos de Moura e Souza, "Crise forçou uma ampla mudança comportamental", Valor, 3/10/2011).

Será que as mudanças vieram para ficar? Estaria aí o fim da vie en rose, da dolce vità, do nice way of life? As observações resenhadas indicam que, com o aprofundamento da crise, há o avanço das mudanças. Mas ninguém garante que os hábitos perdulários dos europeus e, principalmente, dos americanos foram apagados para sempre naquelas sociedades. No Brasil, tivemos uma mudança radical de comportamento dos consumidores no grande apagão de 2001. O povo entendeu que era preciso economizar energia. Ao que tudo indica, porém, a gastança voltou, a ponto de preocupar os responsáveis pelo abastecimento. E o barateamento das tarifas, vai ajudar ou dificultar o uso da sensatez?