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Publicado no O Estado de São Paulo, 12/10/2010.

Reformas e greves.

É provável que, entre hoje e o dia 16 de outubro, a França amargue uma nova greve.

Os sindicatos estão revoltados com o Presidente Nicolas Sarkosy e com o Senado que, na semana passada, começou a aprovar a mudança da idade mínima de aposentadoria, elevando de 60 para 62 anos. Para os que pretendem se aposentar com o valor integral do último salário, a idade mínima passará de 65 para 67 anos.

São atos impopulares e de muita coragem. Eram necessários. O sistema previdenciário da França está em apuros. Aliás, isso está acontecendo com todas as nações que envelhecem depressa e que acumulam déficits insustentáveis na Previdência Social. Se nada for feito, a catástrofe é certa.

Os demógrafos estimam que, em 2050, a população mundial com 65 anos e mais será de 16,2% do total – contra os 7,6% atuais. Os países da Europa, assim como o Japão, têm um quadro ainda mais grave porque estão na dianteira do envelhecimento.

Nesses países, o crescimento do déficit previdenciário é galopante. Investidor nenhum vai se interessar por investir em países que devem muito mais do que produzem e que não apresentam saída para a armadilha em que se meteram. A Standard & Poors estima que os países avançados correm o sério risco de perderem de vez o "investment grade" que conquistaram a duras penas (S&P, "Global aging 2010: an irreversible truth", 07/10/2010).

Seria inconcebível que governos sérios viessem a fechar os olhos em face de um quadro tão grave. Afinal, os sistemas previdenciários foram concebidos quando o quadro demográfico era totalmente diferente: os jovens, em grande quantidade, sustentavam os mais velhos cuja idade média estava em torno dos 55 anos – contra os 80 dos dias atuais.

As idéias para reformar os sistemas de aposentadoria amadureceram muito ao longo dos últimos anos. No fundo, a equação é simples: ou os cidadãos retardam a aposentadoria (e trabalham mais tempo) ou pagam contribuições mais altas durante a vida ativa. Há ainda a possibilidade de reduzir o valor das aposentadorias e das pensões. Ou tudo isso combinado.

Nenhuma dessas idéias é palatável para a população em geral e para os sindicatos em particular. Estes se sentem na obrigação de defender os direitos dos incluídos nas proteções sociais mesmo sabendo que com isso aumentará o número dos excluídos.

Diferentemente das greves de 7 e 22 de setembro passado, os sindicatos franceses prometem para esta semana uma ampla paralisação dos transportes, meios de comunicação, serviços públicos e das escolas - e não mais por um dia e sim por tempo indeterminado.

Paises como a Grécia, Espanha e Portugal vêm enfrentando o mesmo problema por terem sido forçados a cortar gastos públicos em face da perigosa insolvência das contas dos seus governos.

Ironicamente, o Brasil se coloca fora de tudo isso. Parece que não fazemos parte do mundo. Dentro do governo, de maneira "olímpica", ninguém toca na necessidade de se reformar a Previdência Social. O déficit previdenciário (do sistema público e do privado) aproxima-se dos R$ 90 bilhões e o bônus demográfico de uma população relativamente jovem está com o seu prazo de validade praticamente vencido.

Nos dois mandatos de Lula, os temas impopulares foram sistematicamente banidos da agenda de mudança. A reforma da Previdência iniciada em 2003 parou no primeiro embate com as centrais sindicais. Estas impediram a aprovação da Previdência Complementar para viabilizar aquela reforma. Recentemente, elas levaram os congressistas a derrubar o fator previdenciário. No meio das centrais sindicais, não há quem admita elevar a idade de aposentar. Grupos privilegiados continuam se aposentando aos 55 anos e até menos. Muitos dos que se aposentam nunca contribuíram. Há ainda os aposentados que recebem muito mais do que recebiam quando trabalhavam.

Essa é uma bomba relógio cujo tempo de detonação está prestes a se espirar. Vamos esperar sentados para ver o tamanho do estouro?