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Publicado no Jornal da Tarde, 06/05/2008

Incríveis coincidências

Em janeiro deste ano estava em New York quando telefonei para o teatro a fim de reservar dois ingressos para a peça "Beckett Shorts", em cujo elenco estava Mikhail Baryshnikov, renomado nome da dança.

Fiquei desapontado ao saber que havia apenas um lugar disponível. Prontamente, minha esposa saiu com a solução: "você vai ao teatro e eu vou ao cinema".

Assim fizemos. Ao chegar no teatro, longe do centro, na off Broadway, encontrei um casaco dobrado em minha poltrona. Uma senhora, sentada ao lado, logo o retirou, pedindo desculpas e dizendo: "Veja o que me aconteceu. Moro aqui perto. Quis dois ingressos para ver o Baryshnikov trabalhando como ator, e só consegui um lugar. Meu marido foi ao cinema".

Só isso bastava para ser uma grande coincidência. Mas, a história vai mais longe.

Começando a conversar sobre a Samuel Beckett, a senhora, percebendo meu sotaque, perguntou de onde eu era. Ao dizer Brasil, ela passou para um português maravilhoso, com gíria e tudo. Outra grande coincidência.

Olhando bem para mim, indagou, você não é o José Pastore? Fiquei espantado ao ver que alguém me conhecia na periferia de New York.

Mas, olhando bem para ela, perguntei: Você não é a Janice Perlman? E era. É ou não é uma incrível coincidência?

O leitor ficará espantado ao saber que encontrei aquela senhora - ainda mocinha - há 40 anos atrás, em minha casa em São Paulo e nunca mais a vi!

Em 1968, ela veio ao Brasil para fazer sua tese de doutorado sobre Brasília. Aqui chegando, ficou sabendo que eu acabara de publicar um estudo sobre a nova capital. Teve de mudar de tema. Foi estudar as favelas do Rio de Janeiro, o que fez de forma magistral. Ali apreendeu português e gíria de todos os tipos. Publicou seu trabalho com grande repercussão. Passou a estudar a pobreza das grandes cidades no mundo inteiro. Ficou famosa. Li várias de suas publicações. Mas nunca mais a vi.

Foi preciso o seu marido e a minha esposa deixarem duas poltronas vizinhas reservadas para, ali, na periferia daquela metrópole, matarmos as saudades de um encontro tão longínquo.

Na saída do teatro fiquei conhecendo o marido que ao saber do inusitado encontro logo disse: "Isso não é coincidência; é tema para uma peça de teatro". Ele, por coincidência, foi ator e diretor de teatro antes de se aposentar.

Para sua informação: Os dois foram a cinemas diferentes. Mas será que, por coincidência, não viram os mesmos filmes? Sabe lá. Depois de tudo o que aconteceu, não duvido de nada...