Publicado no Jornal da Tarde, 28/11/2001
O poder do silêncio
A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) abrirá inúmeras oportunidades para o Brasil exportar para um país que tem 1,3 bilhão de pessoas. O aproveitamento dessas oportunidades, porém, depende da superação de conhecidos obstáculos econômicos e de uma boa aprendizagem da cultura chinesa.
Os chineses são bons negociadores. Mas seu comportamento é bem diferente do nosso. Suas reações são peculiares. O sorriso tem um significado especial. O abano de cabeça nem sempre significa concordância. Pode significar apenas um "estou entendendo".
Estive na China no ano passado. Foi uma experiência curta - apenas 10 dias. Dei algumas palestras em instituições acadêmicas onde os participantes acompanharam com atenção, dando-me a impressão de que estavam concordando com tudo - pois a maioria balança a cabeça com sinal de aprovação. Iniciado o debate, foi enorme o número de dissidentes.
A comunicação na China tende a ser indireta. O chinês não gosta de dizer "não" por medo de gerar sentimentos desagradáveis no seu interlocutor. A cultura chinesa é altamente especializada na comunicação sem palavras. Os chineses não gostam de admitir desconhecimento ou fazer perguntas que revelem uma compreensão precária do que está sendo discutido ou negociado. Por isso, ficam em silêncio.
No mundo ocidental, o silêncio é interpretado como uma falha de comunicação enquanto que na China é uma parte integrante da boa interação. Há um provérbio chinês que diz: "Os que sabem não falam. Os que falam não sabem". Para aquele povo, o silêncio é sinal de ouvir e aprender o que não sabe, denotando o respeito pelos que estão falando. Falar demais revela egoísmo e arrogância.
Por isso, a negociação com os chineses requer uma aceitação paciente de longos períodos de silêncio. Os negociadores querem saber muito à respeito dos visitantes. Na China, o relacionamento vale mais do que o contrato. O "guanxi" é a teia de relações que está por trás dos negócios. Quem não entra nessa teia, não faz negócios. E, para entrar, é preciso fazer o chinês confiar nas pessoas.
Quando se precisa de um sócio, o guanxi prega que se deve escolher um parente. Na falta do parente, deve-se escolher um ex-colega de escola. Na ausência desse, um vizinho de longa data. Se isso é inviável, um amigo. Finalmente, pode se escolher um estranho, desde que avalizado por um parente, ex-colega de escola, vizinho ou amigo...
Não sou nenhum "sinólogo". Mas arrisco dizer que, além das razões culturais, a opção pelo guanxi tem motivação econômica. A confiança é gerada pelo relacionamento. Isso significa que há pouco contrato, o que, por sua vez dispensa um aparelho judicial muito grande. Os chineses sabem que, para resolver controvérsias de 1,3 bilhão de pessoas através de tribunais, seria necessário uma parafernália judicial gigantesca e caríssima. Para evitar esses gastos, optaram pelo guanxi.
Ao lidar com as autoridades que concedem as licenças e autorizam os negócios, é preciso lembrar que todo chinês gosta de receber presentes, mas não suborno. A linha divisória entre os dois é muito tênue. Nem sei se existe. Eles garantem que sim. É importante descobrí-la.
Quem não apreende essa diferença e não entra no guanxi pode fazer as malas e voltar para casa. Num país onde tudo depende dos humores dos burocratas, é fácil desfazer um negócio, mesmo na fase final. Mas, não há o que fazer.
A intensificação dos negócios entre Brasil e China vai requer uma boa aprendizagem da sua cultura. Gestos, relações, amizades, apresentações, anfitriões, atitudes, silêncio e outros componentes sociais serão mais importantes do que as regras da OMC para o sucesso nas negociações. Para a maioria dos empresários brasileiros é a abertura de um novo mundo cultural que precisa ser entendido e administrado de forma adequada.
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