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Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/09/2001.

Tecnologia contra o terrorismo

Até que ponto as novas tecnologias podem ajudar a combater o terrorismo e a criminalidade em geral?

Os estudiosos dessa matéria afirmam que é nesse campo que repousa a grande esperança da humanidade. Alertam, porém, que, para as tecnologias melhorarem a segurança pública, os seres humanos terão de realizar muitas mudanças nas suas atitudes e comportamentos e transacionar valores que lhes são extremamente preciosos como, por exemplo, abrir mão de uma parte da liberdade em favor de um aumento da segurança.

Os especialistas dizem que, do ponto de vista tecnológico, já seria possível atualmente implantar sob a pele das pessoas um "chip" inteligente, ligado dia e noite a uma central de processamento de dados, registrando tudo o que a pessoa faz e com quem entra em contato. Assim, os suicídios, homicídios, assaltos, sequestros, lavagem de dinheiro, operações ilegais, e outras formas de violência e ilícitos civis e penais seriam imediatamente identificadas, podendo-se localizar seus autores em questão de horas, reduzindo-se, dessa forma, o trabalho de testemunhas, policiais, delegados e magistrados. As prisões seriam quase todas em flagrante, restando ao juiz definir a pena a ser cumprida pelo infrator. Alguns autores, antecipam que, através de convenções e tratados internacionais, as centrais de informações nacionais poderiam ser interligadas, chegando-se, assim, a um sistema de segurança glo>bal (Hamish McRae, The World 2020: Power, Culture and Prosperity, Boston: Harvard Business School, 1994).

É claro que, nos dias atuais, isso é inadmissível. Ninguém aceita tamanha invasão da privacidade. Assim como ninguém concorda em aniquilar os direitos individuais e a liberdade tão duramente conquistados através de lutas e batalhas que duraram séculos.

Ademais, se os povos de hoje, que divergem tanto nos campos da economia, política e religião conseguirem chegar a um acordo mundial em relação a essa tecnologia, é bem provável que, antes disso, a paz já terá sido implantada por meio do bom senso, da tolerância e da compreensão humana - tão raras nos dias atuais.

Mesmo assim, a idéia merece reflexão. Se, de um lado estamos longe de aceitar tamanha intromissão em nossas vidas, de outro, formas mais elementares da mesma tecnologia começam a ser incorporadas no nosso cotidiano. Vejam o caso dos radares que controlam a condução de veículos em avenidas e estradas.

No surgimento dos radares, alguns tentaram alegar invasão de privacidade. Mas, convenhamos, os radares dão plena liberdade para os motoristas agirem legalmente. Havendo desvio da lei, o infrator é imediatamente identificado por meio do seu "chip" que, no caso, é a placa de carro e, em seguida, é multado ou banido do grupo de motoristas - o que elevou substancialmente a segurança.

Muitos reclamam das câmeras de televisão implantadas nas entradas de prédios, corredores e banheiros, argumentando que isso viola a sua individualidade. Apesar dos protestos, tais providências estão sendo gradualmente absorvidas e trazendo bons resultados. Afinal, quem entra num banheiro para fazer o que normalmente se faz num banheiro, não tem o que temer...

É claro que a questão se torna mais complexa quando se trata de usar bases de dados pessoais que rasteiam a vida todas das pessoas. É a área dos direitos individuais. Muitas pessoas acham que a redução desses direitos, não compensa o que se ganha em segurança.

O assunto é explosivo. É possível, porém, que os avanços tecnológicos nas áreas da informática e comunicações, com "chips" subcutâneos ou instalados em todos os ambientes venham a registrar, no médio prazo, apenas os ilícitos, como é o caso do motorista que ultrapassa a velocidade permitida ou do contraventor que usa um banheiro público para fazer uso de drogas.

Esse será um passo importante para se discutir e aceitar uma transação mais ampla entre liberdade e segurança. É evidente que tais expedientes suscitarão debates muito mais calorosos dos que ocorreram na aprovação das convenções contra a proliferação de armas letais (nucleares, químicas e biológicas) que, no fundo, não produziram nenhum efeito prático no mundo dos terroristas que hoje abalam a confiança mundial.

Se os tratados de não proliferação consumiram 20 anos de discussão, os das novas tecnologias podem absorver mais de 30 ou 40. De qualquer forma, os que lá estiverem vivos perguntarão: Como puderam as civilizações passadas manter os seres humanos sem controle durante tanto tempo?