Publicado no Jornal da Tarde, 19/09/2001
A lógica do terrorista suicida
Os Estados Unidos convidam o mundo a entrar numa guerra contra o terrorismo. A causa é nobre pois ninguém quer viver com a insegurança trazida pelos amantes da destruição. Mas que tipo de guerra pode dar certo contra terroristas suicidas? Quem é essa gente? Por que fazem isso?
O terrorismo suicida tem um lado prático e outro espiritual. No lado prático, esse tipo de ataque é relativamente barato, quando comparado à enormidade do estrago que produz. Além disso, detona uma gigantesca cobertura de imprensa, que infla o ego dos membros das organizações terroristas - o que lhes dá fôlego para avançar nos seus propósitos. De janeiro a julho de 2001, foram praticados mais de 300 ataques desse tipo no mundo.
O sucesso desse tipo de terrorismo depende de escolher as pessoas certas e de montar a operação adequada.
No lado espiritual, o terrorismo suicida depende de preparo psicológico e militar. No que tange à psicologia, os valores religiosos são cruciais. Já em 1857, Emile Durkheim, descreveu magistralmente esse tipo fenômeno – o suicídio altruísta – que se encaixa no caso dos terroristas que se matam, segundos antes de causar a matança de outros.
Para os suicidas altruístas, morrer é um dever. Se deixam de cumprir esse dever, eles são desonrados e punidos com sanções sociais e religiosas. Para eles, insistir em viver é matar o respeito público e aceitar a condenação divina. Devido ao seu tamanho reduzido, o grupo não perde os seus adeptos de vista. A supervisão é constante até o momento em que esses valores são completamente interiorizados nas pessoas, como ocorre com os membros do fundamentalismo islâmico nos dias atuais. Maomé sentenciou: quem morre numa guerra santa vai direto para o céu; os outros deverão esperar até o fim dos tempos.
No contexto dos terroristas suicidas, a individualidade tem pouco valor. O ego não lhes pertence. A sua psicologia é bem diferente dos suicidas que se matam por infelicidade, depressão e desespero pessoais. Os terroristas suicidas são felizes, morrem realizados e satisfeitos, com o orgulho do dever cumprido. Afinal, eles não são proprietários de suas vidas mas meros instrumentos de uma causa maior. A esperança é a mola mestre que move os fanáticos. Quanto mais espetacular a façanha, mais atraente se torna.
Muitos chamam esses traços comportamentais de insanidade. Prefiro chamá-los de traços de realidade. Os terroristas suicidas são inicialmente conduzidos por forças externas. Mas, a partir de certo momento, elas entram no seu DNA, criando um novo quadro de valores, onde a destruição é uma tarefa necessária para a sua salvação.
É praticamente impossível deter essas pessoas. A catástrofe de New York e Washington tem pouco a ver com a competência ou incompetência do governo americano. Aconteceu lá porque aqueles alvos maximizavam a satisfação dos suicidas e de seu grupo no cumprimento de suas obrigações. Muitos outros terroristas suicidas estão prontos para provocar novas catástrofes. Eles precisam se sacrificar para chegar à redenção.
Qual é o tipo de guerra que consegue convencer esses fanáticos a abandonar tamanho desatino? Só a que puder prender todos os fanáticos do mundo, sem matá-los pois, afinal, é isso que eles querem para entrar mais rapidamente no reino do céu. Temos de ser realistas: isso é impossível.
A reversão do fanatismo demorará décadas. Teremos de apreender muitas novas táticas, e reformular alguns dos nossos próprios valores. Por exemplo, ao blindar uma cabina de comando e equipar os aviões com bombas que matam todos os que estão a bordo ao constatar a presença de terroristas, estaremos optando por um mal menor, e frustando o plano dos suicidas que visam sempre o mal maior, como foi a devastação humana, material e moral dos Estados Unidos.
É irônico e doído. Mas para lidar com terroristas suicidas há que se entender a sua psicologia e tentar inverter os sinais de sua estranha lógica.
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