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Publicado no Jornal da Tarde, 22/08/2001

Virgindade por opção

Ao aprovar o novo Código Civil, a Câmara dos Deputados acabou com a possibilidade de anulação do casamento no caso do marido descobrir que sua mulher não é virgem. Isso aconteceu num momento em que o culto à virgindade começa a renascer entre muitos adolescentes. O que dizer disso?

Em um levantamento realizado no sul dos Estados Unidos foram identificados, em 1993, cerca de 2,5 milhões de jovens que aderiram à virgindade, ao adiar a sua debutação sexual para o casamento. De lá para cá, o movimento se expandiu de forma fenomenal, tendo penetrando em várias igrejas, escolas, grupos comunitários, e convencendo inúmeras celebridades.

Quando, em 1998, Leonardo DiCaprio declarou ser virgem, houve uma aceleração de adesões entre aos que oferecem a virgindade como caução às suas namoradas e namorados. Hoje em dia, são vários os "sites" na Internet que divulgam esses princípios e proporcionam oportunidades de bate-papo entre homens e mulheres que são virgens por convicção. No Brasil, a cantora Sandy divulga sem constrangimento a sua opção pela virgindade. Rapazes e moças procuram imitá-la e já falam, com certo orgulho, sobre sua decisão de postergar sua primeira relação sexual o mais possível.

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, em 1994-96, com 90 mil questionários e 20 mil entrevistas junto a adolescentes, professores e pais, ao longo de 18 meses (para observar mudanças de comportamento), revelou que essa decisão não tem nada a ver com imposição legal ou moralismo artificial. Ao contrário, trata-se de uma filosofia de vida de grupos que buscam construir uma nova identidade por achar que a postergação do sexo é útil para o seu amadurecimento psicológico e prevenção de problemas de saúde, em especial, a gravidez indesejada. São jovens que usam o idioma do amor romântico e do envolvimento emocional para demonstrar o quanto usufruem ao cultivar tais valores (Peter S. Bearman e Hannah Bruckner, "Promissing the future: virginity pledges and first intercourse, American Journal of Sociology, Vol. 106 no. 4, janeiro de 2001).

O retardamento da primeira relação sexual, entretanto, é menor quando os seus adeptos estão isolados ou possuem poucos amigos que defendem a mesma filosofia. Por outro lado, ele é pequeno também quando o grupo cresce demais e a virgindade se torna a norma. Em outras palavras, é um movimento que vinga quando cultivado por minorias bem identificadas, com muita emulação entre seus membros.

Os adeptos de virgindade escolhida estão mais próximos de seus pais, quando comparados com os não-adeptos. Eles fazem parte de famílias onde pai e mãe biológicos estão presentes e quando pertencem a grupos de colegas na escola que valorizam a religião. A sua debutação sexual é muito próxima ou no próprio casamento, e marcada por forte comprometimento emocional. Na sua concepção, as pessoas não amam seus companheiros quando fazem sexo no início de um relacionamento.

Para ser um promitente da virgindade não é preciso usar crachá ou fazer propaganda do movimento. Basta sentir-se feliz com a idéia de cultivar a virgindade como uma demonstração de afeição profunda pelo companheiro ou companheira, e ter a sensação de ver crescer dentro de si a auto-estima.

Não é a força da lei e nem da moral alheia que instigam esse tipo de opção. Ao contrário, o seu móvel é a possibilidade de escolher livremente dentro de várias alternativas consideradas legítimas pela sociedade moderna.

Não há porque confundir, portanto, a nova virgindade com a velha castidade que, se não obedecida, era sancionada pela lei e castigada pelo desprezo social. O novo Código Civil abriu a possibilidade da prática da liberdade nesse campo. Ao deixar de ser motivo de anulação de casamento, aposto que crescerá o número de jovens brasileiros que vai levar a virgindade até perto do matrimônio. É isso que se chama "escrever direito por linhas tortas..."