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Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/05/2001

O alcance do trabalho prisional

José Pastore

As pesquisas mais recentes mostram que o trabalho só ajuda a recuperar e a reintegrar o preso na comunidade quando contém os ingredientes requeridos pelo mercado de trabalho em geral. Ou seja, antes de começar a trabalhar, os que assim o desejam, precisam receber uma formação profissional de boa qualidade sobre profissões atualizadas Além disso, os presos precisam ser ajudados por mecanismos de reintegração, através dos quais algum tipo de estímulo é oferecido às empresas que empregarem ex-presidiários. (Shawn Bushway e Peter Reuer, "Labor markets and crime risk factors", in Lawrence W. Sherman e outros, Preventing crime, University of Maryland, 1997).

Nessas condições o trabalho prisional é dignificante, acrescenta capital humano nos presos, ajuda a suas famílias e os prepara para uma nova vida.

Mas esse tipo de abordagem é cara e complexa pois exige investimentos em plataformas de aprendizagem e em recursos humanos especializados. É falsa a idéia comum de que, ao submeter os presos a qualquer tipo de trabalho – em especial os duros e pesados – isso atuará como um castigo para ensinar uma lição e evitar a reincidência no crime.

Isso não quer dizer que o trabalho prisional não deve ser realizado. Significa apenas que as soluções simplistas de impor ao preso um trabalho que ele não quer fazer, além de ilegal, não ajuda em nada na reorganização de sua vida depois da pena cumprida.

O que tem mostrado melhores resultados nos presídios privados dos Estados Unidos, são os programas que, de forma compreensiva, educa, treina e prepara os presos para o exercício de modalidades de trabalho requeridas pelo mercado de trabalho em geral. A maioria desses programas ainda se concentra nas profissões voltadas para a produção de bens materiais. Mas, é crescente a parcela dos que aprendem e executam atividades no setor dos serviços.

Em várias prisões, por exemplo, aumenta a cada dia o número de presos que trabalha em telemarketing, fazendo reservas de avião e de hotel, em todo o mundo, para agências de turismo e empresas de aviação. Em outras, eles processam documentos para as burocracias governamentais, organizando arquivos, colocando-os na forma eletrônica e se incumbindo de notificações a contribuintes da Previdência Social e até da Receita Federal. Há ainda os que executam serviços especializados em eletrônica e telecomunicações para empresas modernas que montam parte de suas plantas dentro de prisões privadas.

As novas tecnologias estão introduzindo nas prosões novas formas de trabalhar – bem mais agradáveis do que as antigas e, sobretudo, mais ajustadas às demandas do mercado de trabalho que os presos terão de enfrentar ao reconquistarem a liberdade.

Se, de um lado, o impacto econômico direto do trabalho prisional na formação do PIB é minúsculo, de outro, a aprendizagem e exercício voluntários de atividades modernas têm um importante efeito na condição psicológica dos presos. Na maioria dos casos eles se sentem menos tensionados por repassarem alguma renda aos seus familiares e menos inseguros para enfrentar um mercado de trabalho que muda dia-a-dia.

Este aspecto é muito relevante. Para uma boa parcela dos presos, é desesperador ficar encarcerado, sabendo que sua família está sem renda e passando dificuldades. E que quando sair do presídio, cairá num cipoal de problemas que o leva de volta ao crime. São pessoas que se sentem como não tendo nada antes de entrar na prisão e menos ainda quando saem. O desafio para o Estado é saber o que fazer durante o período em que eles ficam presos. O investimento em profissões úteis e contemporâneas é fundamental.

Nos casos estudados, fica claro que a transferência de renda alivia os problemas da família, sendo bem menor o número de reincidências entre os presos que trabalharam e transferiram renda para seus familiares. Trata-se de um efeito bastante indireto - mas não desprezível.

O que não é admissível, é o trabalho forçado. Isso é mundialmente proibido por convenções internacionais, a maioria delas, ratificada pelo Brasil. A Convenção 105 da OIT, por exemplo, condena a utilização do trabalho como forma de punição. Ao contrário, o trabalho deve ser oferecido aos presos como alternativa de redução de pena, aprendizagem de bons hábitos e geração de renda pessoal.

Ao considerar a alternativa do trabalho prisional, o Brasil terá de pensar que a redução dos custos de manutenção dos presos será o ganho menos importante. Na verdade, o trabalho de utilidade, exige recursos bem investidos na formação dos presos e preparação de sua travessia para o mundo da liberdade. Mas, levando-se em conta os efeitos sociais positivos, esse é o tipo de investimento que vale a pena fazer. Sua taxa de retorno é francamente positiva.