Publicado no Jornal da Tarde, 13/06/2001
Quanto duram os novos hábitos?
Você é um daqueles que vai economizar mais de 20% de energia elétrica? Isso vai acontecer com muitas pessoas, especialmente, das classes média e alta que se acostumaram a deixar as luzes acesas em cômodos vazios e rádio e televisão ligados, falando para si mesmo.
Para a maioria dessas pessoas, o desperdício sempre foi a marca do seu comportamento. Você já notou quanta comida vai para o lixo das famílias mais abastadas? Observou quantas roupas ficam penduradas nos seus armários, anos a fio, sem uso? Já percebeu a enormidade de brinquedos que dão às crianças - sem que se apeguem a nenhum deles?
Estamos vivendo uma nova realidade. Gente que nunca se preocupou com luz acesa, está se lembrando de apagá-la. Na minha própria casa, a minha mulher implantou o jantar à luz de vela - romântico, é verdade, mas incômodo.
No que depender da população, a resposta ao racionamento de energia está sendo boa. Mas, vai durar? Como se comportarão os "perdulários" daqui há 8 ou 10 meses?
Os teóricos da psicologia social costumam dizer que o ser humano muda de comportamento por um de dois motivos: por medo ou por interesse. Eu discordo. Penso que as mudanças mais profundas são determinadas pela combinação dos dois fatores: medo e interesse. Esse é o caso do racionamento. Temos medo de ficar no escuro e interesse em não pagar a sobretaxa.
Os dois "estímulos" foram essenciais para produzir a mudança tão repentina acima mencionada. Em face de uma situação verdadeiramente calamitosa dos reservatórios, o governo e os meios de comunicação conseguiram criar na população quase um estado de pânico.
O pânico ocorre quando (1) as pessoas percebem um perigo imediato e severo; (2) crêem haver apenas um meio para fugir do problema; (3) e que esse meio precisa ser usado com rapidez.
No caso em tela, o povo reagiu na direção esperada. Muitos interpretaram essa reação como prova de solidariedade. Na realidade, ela foi reflexo de medo e interesse individuais. Ninguém quer ficar sem luz e pagar exorbitâncias.
Por um bom tempo, o medo e o interesse serão essenciais para garantir a continuidade do comportamento. Iludem-se os que acham que tais condutas podem ser internalizadas em alguns meses. Isso demora anos. Para se chegar lá, além de muita educação e repetição das mesmas condutas, a atuação dos estímulos (medo e interesse) terá de ser duradoura.
O relaxamento da sobretaxa e o afrouxamento das regras de corte de energia foram na direção contrária. Os anúncios precipitados de que os reservatórios estão se mantendo em níveis razoáveis podem ter o mesmo efeito.
Mas podemos obter uma boa limonada desses limões. O fato dessa crise durar dois ou três anos, como anunciam os técnicos, ironicamente, pode ser favorável para mudar comportamentos de pessoas que passaram a vida desperdiçando. A repetição das condutas de economia (instigadas pelo corte e sobretaxa), ajudará a internalizar de forma definitiva novos hábitos de consumo. Sofrimento amadurece.
Os europeus de hoje têm uma renda per capita que lhes permite esbanjar à vontade. Mas as guerras deixaram marcas profundas na sua cultura. A repetição dos comportamentos de economia passou de pais para filhos. Mesmo quem não viveu as guerras se comporta com austeridade. É por isso que, nas classes médias, a comida que sobra hoje, é posta na mesa amanhã. Só se compra um novo sapato quando o antigo está prestes a capitular. O presentear de brinquedos às crianças é parcimonioso pois, o importante é que elas se afeiçoem aos mesmos. A luz só é acessa quando necessária. A água é usada com cuidado. E assim por diante.
Oxalá o sofrimento de hoje venha a levar os consumidores brasileiros, especialmente os esbanjadores, a gastar o que é raro com o máximo comedimento para que possamos dizer no futuro: Santa crise!
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