Publicado em O Estado de S. Paulo, 19/06/2001
Os limites do trabalho prisional
José Pastore
As pesquisas de opinião pública, os candidatos a cargos do governo e inúmeras pessoas nas conversas informais defendem a idéia de que os presos devem trabalhar. Muitos acrescentam que esse trabalho deve ser duro e penoso.
Os argumentos são os mais variados. Alguns acham que os presos devem gerar renda e, com isso, amortizar a despesa que dão ao Estado e ajudar suas famílias. Outros acreditam que isso contribuiria para engrossar a produção e aumentar o PIB. Há os que vêem no trabalho a melhor forma de reabilitação e outros que defendem o trabalho como castigo.
As "prisões privadas" dos Estados Unidos, Inglaterra, França e outros países, são presídios dentro dos quais se instalam empresas que utilizam a mão-de-obra dos presidiários, pagando o seu salário e o uso das instalações.
Os defensores das prisões privadas vêem nesse conceito cinco vantagens: (1) um alívio nas despesas do Estado; (2) uma redução dos tributos pagos pelos contribuintes; (3) um apoio à família na forma de renda mensal; (4) uma contribuição às vítimas; (5) um encaminhamento profissional para a vida fora da prisão.
O que dizer da consistência desses argumentos? O trabalho prisional é capaz de fazer tudo isso?
No Brasil, há cerca de 160 mil presos em cadeias públicas e 60 mil em delegacias. Não se sabe quantos trabalham. Os estudiosos desse campo dizem que essa parcela é minúscula e, mesmo assim, concentrada nos serviços de limpeza dos pavilhões, pequenos reparos, ajuda na cozinha, etc. Há empresas que repassam aos presos trabalhos em couro e vime, costura de bolas de futebol, trabalhos em móveis e outros - em escala insignificante.
O Brasil não possui uma política explícita voltada para o trabalho prisional, apesar de inúmeros projetos que visam modificar a Lei da Execução Penal insistirem no trabalho com finalidade produtiva e educativa, devidamente remunerado, respeitada a vontade e a aptidão do preso.
Mas, voltemos ao âmago da questão. O trabalho prisional funciona? Examinemos o caso de um País onde há mais pesquisa sobre o assunto. Os Estados Unidos possuem uma colossal população de presidiários – quase 2 milhões. O País gasta cerca de US$ 50 bilhões por ano nesse campo. Cada preso, custa ao Estado US$ 25 mil anuais, em média.
A prática do trabalho prisional naquele País variou bastante ao longo da história. Em 1885, 90% dos presos americanos trabalhavam. Hoje, só 7% e, mesmo assim, a grande maioria executa trabalhos ligados à vida da prisão (Ray Marshall, "The economics of inmate labor participation", Reunião da Industrial Relations Research Association, 2001).
Dentre os que trabalham, 20% exercem atividades produtivas em presídios públicos e privados, recebendo remuneração equivalente ao salário prevalecente na localidade da prisão, o que é uma exigência da lei americana.
Inúmeros fatores explicam o referido decréscimo. Do ponto de vista econômico, o que é produzido pelos presos soma só US$ 1,5 bilhão - 0,2% do PIB dos Estados Unidos. Ademais, a lei exige que a renda do preso cubra suas despesas pessoais com alojamento, alimentação, telefonemas, etc. O restante é dividido em duas partes: a primeira vai para a família; a segunda para o fundo das vítimas -, sobrando pouca renda disponível para o próprio preso.
Os sindicatos têm argumentado que os presos são espoliados pois, no final das contas, restam-lhes uns míseros US$ 0,50 por hora. Isso é, na prática, um tipo de "trabalho forçado", que é proibido pela Convenção 105 da OIT, de 1957, (ratificada pelos Estados Unidos, em 1991). A AFL-CIO (maior central sindical dos Estados Unidos) vem exigindo a sindicalização dos presos-trabalhadores; a prática de negociações coletivas; o respeito às normas internacionais do trabalho; e provimento de educação e treinamento.
Muitos empresários, por seu turno, também combatem o trabalho prisional, argumentando que o uso de mão-de-obra encarcerada cria uma concorrência desleal em relação aos que têm de contratar pessoas no mundo livre, a preços muito mais altos, o que inadmissível pelas leis anti-truste e outras.
Para complicar o quadro, surgiram estudos questionando o trabalho tradicional como meio de reabilitação dos presos, ressaltando que a maioria dos presos aceita trabalhar simplesmente para reduzir sua pena, e não para apreender uma profissão e exercê-la pelo resto da vida (Lawrence W. Sherman e outros, Preventing crime, University of Maryland, 1997).
No Brasil esse questionamento também existe sob o argumento de que o trabalho prisional não resolve os grandes problemas do preso, ou seja, o de ser apartado da família, perder a cidadania, reconhecer-se como pária da sociedade e ter todos os seus movimentos cerceados (Maria de Nazareth Agra Hassen, O trabalho e os dias, Tomo Editorial, Porto Alegre, 1999). Especialistas vêem com ceticismo a idéia de prisões que apresentam retornos econômicos positivos (Julita Lemgruber, "Controle da criminalidade: mitos e fatos", Revista Think Tank, junho de 2001).
Mas a tese não morreu. Ela está ressurgindo em outros moldes. Esse será o assunto do próximo artigo.
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