Publicado no Jornal da Tarde, 18/04/2001
O nepotismo na Justiça
A mistura de negócios com família, foi uma prática comum das dinastias que envolveram várias gerações e se arrastou durante séculos. Até os dias atuais, sobrevivem, em vários setores, as empresas familiares, nas quais se misturam profissionais contratados por critérios objetivos com donos, herdeiros e sócios que trabalham na mesma empresa por laços familiares.
O termo nepotismo vem do Latim. A palavra "nepot" se refere a sobrinho. O nepotismo começou a ser praticado pelos papas da Era do Renascimento, que procuravam colocar seus sobrinhos nas altas esferas da burocracia eclesiástica, independentemente de suas qualificações profissionais. Mais tarde, essa prática foi estendida aos demais parentes.
A condenação do nepotismo não é compartilhada por todos. Há empresas que dão preferência pelas pessoas indicadas por funcionários, clientes e parentes. A FIAT, a TAM e o Pão de Açucar são exemplos atuais.
A FIAT argumenta que pessoas indicadas por funcionários (que podem ser parentes) são mais zelosas, e formam com a empresa um laço de solidariedade e lealdade de valor incalculável. A TAM, ao solicitar aos passageiros a indicação de candidatos, busca fazer convergir os interesses dos clientes e da empresa. O Pão de Açúcar ao transformar consumidores - donas de casa - em anfitriãs e consultoras, integra a empresa ao nicho de mercado que mais lhe interessa.
O nepotismo cria problemas sérios quando praticado em setores estratégicos do serviço público que envolvem interesses conflitantes. Esse é o caso da Justiça, onde filhos de ministros dos tribunais superiores mantém escritórios de advocacia, para defender os interesses de clientes junto às cortes onde trabalham seus pais.
O assunto é polêmico pois a Constituição Federal garante o livre exercício de qualquer profissão. Ademais, a lei atual impede ao filho advogar em processos distribuídos ao pai. Mas, esse impedimento tem sido insuficiente para evitar o uso de "advogados-laranjas".
No Brasil, o caso está pedindo mais rigor. Dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça, 36% dos seus filhos são advogados. Dentre os juizes dos tribunais estaduais, o percentual é de 37%; nos tribunais regionais, 38%; no Tribunal Superior do Trabalho, 42%; e no Supremo Tribunal Federal, 67%. Isso não leva em conta esposas, genros, noras, sobrinhos e sobrinhas que exercem a advocacia.
A alta incidência de advogados em famílias de magistrados não é ruim em si. Mas, é o caminho para perigosas tentações. O Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Velloso, defende uma mudança na legislação atual de modo a proibir que filhos de juizes, magistrados, desembargadores e ministros atuem nos tribunais de seus pais. A OAB é contra isso, argumentando que a lei atual já é suficiente, ao impedir a atuação nos processos.
O assunto exige a construção de controles sociais dentro das regras democráticas que respeitam a liberdade de cada um. O nepotismo na Justiça precisa contar com um arcabouço muito mais eficiente para impedir o tráfico de influência que muitas vezes é praticado entre advogados e julgadores.
As sociedades mais avançadas erguem anteparos muito mais altos que tornam praticamente impossível para os filhos se aproveitarem, direta ou indiretamente, do relacionamento com seus pais. Os códigos de ética são severos e as penalidades são aplicadas rapidamente e com ampla visibilidade. É aí que está o seu grande poder preventivo pois, penas aplicadas com lentidão e às escondidas são um convite à contravenção.
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