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Publicado em O Estado de S. Paulo, 10/04/2001

Cruzada contra a corrupção

São poucos os países que possuem agências especializadas no combate à corrupção. Dentre eles, merecem menção a Austrália, Chile, Malásia, Cingapura, Taiwan e Hong Kong (hoje incorporado à China). Tratam-se de órgãos independentes, que recebem recursos públicos, mas que estão fora de influências políticas.

O caso mais eloqüente de autonomia e independência foi registrado no estado de South Wales na Austrália. A primeira vítima da "Comissão Independente de Combate à Corrupção", foi exatamente o chefe daquele estado - que acabara de criar a agência. Em ação fulminante, a comissão investigou e comprovou atos de corrupção, mobilizou a Justiça, e obteve a condenação do mandatário ("Independent anti-corruptions agencies", in The Transparency International Sourcebook, Londres, 1998).

Os casos de sucesso com esse tipo de agência ainda são poucos. Nem por isso, devem ser desprezados. A criação da Corregedoria Geral da União no Brasil merece atenção. O órgão pode ajudar a prevenir e combater a corrupção em nosso país.

Vale a pena avaliar o que deu certo nas agências bem sucedidas. Tais agências são pequenas. Têm um corpo de auditores especializados, cujas vidas estão abertas a investigações a qualquer momento. São agências muito velozes no levantamento de dados. Todas mantém uma íntima interface com órgãos da polícia e da Justiça. Por força de lei, tais órgãos têm prazos curtíssimos para completar o trabalho das agências.

A grande força das boas agências está na força das regras aprovadas por lei. Uma delas: todas as pessoas que fazem negócios com o governo têm de facilitar o acesso às suas vidas. Um empreiteiro que constrói para um órgão público, por exemplo, assina um documento autorizando a agência a vasculhar sua vida no caso de suspeição. A quebra do sigilo, portanto, é dada por antecipação.

Por outro lado, as agências têm total liberdade para monitorar a vida dos funcionários públicos que tomam decisões nos processos de contratação. Sinais exteriores de riqueza disparam investigações imediatas. Os funcionários sabem e concordam com esse monitoramento.

A lei confere a essas agências poderes para "congelar" os bens e suspender o passaporte de pessoas suspeitas. As testemunhas têm total proteção.

Tais agências possuem recursos para, sem denegrir a imagem de uma pessoa condenada, disseminar o caso na imprensa em geral e também nos órgãos especializados do setor em que a pessoa atua. Por exemplo, um corretor da Bolsa de Valores, tem o seu caso divulgado nos jornais e nas revistas de mercado de capitais, ou seja, na sua comunidade profissional.

É claro que tais agências não fazem milagres. Mas elas ajudam nos casos em que a corrupção é endêmica e onde o combate através dos métodos tradicionais é demorado, tortuoso e alvo das ações dos corruptores.

A corrupção precisa ser combatida, ou pelo menos, controlada, pois ela (1) encarece o custo dos bens e serviços; (2) reduz a produtividade do setor público; (3) aumenta o endividamento do país; (4) rebaixa a qualidade das ações do governo; (5) desvia recursos da educação e saúde (que dão pouca margem às propinas) para a compra de máquinas, equipamentos e infra-estrutura; (6) castiga mais os pobres; (7) deteriora a moral da nação; (8) dá péssimos exemplos às novas gerações.

Mas para as agências terem sucesso é importante reduzir os incentivos à corrupção, incluindo-se aqui o enxugamento da burocracia estatal; a diminuição do poder discricionário de seus integrantes; a remuneração condigna dos funcionários públicos; a melhoria da qualidade das leis; o estabelecimento de condições técnicas e econômicas para os órgãos de polícia e Justiça trabalharem na mesma velocidade das agências independentes.

No caso do Brasil, a Corregedoria Geral da União precisará ser muito ajudada por uma melhoria substancial do ambiente institucional externo.

A imprensa terá papel importante nesse processo. De um modo geral, os jornalistas tendem a ser cépticos a respeito das inovações que buscam controlar o mar de lama em que foi mergulhado o Brasil.

Mas esta é a hora de um crédito de confiança, mesmo porque, uma das peças mais fundamentais para o sucesso do novo órgão é a divulgação dos seus resultados. Já dizia Emile Durkheim que a publicação das sanções é uma das peças fundamentais para inibir novos desvios de comportamento. Oxalá a imprensa e a CGU venham a juntar esforços nessa nova cruzada de combate à corrupção.