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Publicado em O Estado de S. Paulo, 13/03/2001

Discriminação no trabalho

José Pastore

Na semana passada comemorou-se o dia internacional da mulher (8 de março). Vejam o que li no jornal O Globo em 29 de outubro de 2000:

"Precisa-se de moça para setor imobiliário, entre 24 e 28 anos, inclusive para fazer plantão em imó-veis de luxo, que tenha nível secundário, com ótima apresentação, estilo modelo, solteira e livre".

Um anúncio desse tipo viola frontalmente os direitos humanos, os preceitos da Constituição Federal e as regras da CLT que proíbem a discriminação no trabalho.

A discriminação é uma conduta abominável. Mas, no mercado de trabalho, os recrutadores e administradores valorizam a aparência. Os métodos variam. Poucos recorrem a afrontas como o anúncio acima. A maioria usa mecanismos sutis, deixando pouca margem para provar a discriminação.

Esse é um problema mundial. A literatura está repleta de pesquisas que demonstram a valorização da aparência. Daniel Hammermesh e colaboradores, por exemplo, registram o enorme peso da aparência no mercado de trabalho dos Estados Unidos e Canadá – países que possuem leis anti-discriminação bastante rigorosas. Para pessoas na mesma profissão e igual qualificação, a boa aparência adiciona de 5% a 10% no salário. Até na China – incrível! – as moças mais bonitas ganham mais do que as outras (Daniel S. Hamermesh e outros, "Dress for Success – Does priming pay?, National Bureau of Economic Research, Washington, 1999).

Na Holanda, pessoas de boa aparência são contratadas por agências de publicidade por garantir desempenho superior na captação de contas e contratos (Ciska M. Bosman e outros, "Business Success and Businesses'Beuaty Capital", National Bureau of Economic Research, Washington, 1997). Essas pesquisas indicam também que pessoas de boa aparência sobem mais depressa na carreira.

Gostemos ou não, a aparência conta. Isso vale para mulheres e homens. No Brasil, em uma amostra de 443 executivos constatou-se que, depois da competência, a aparência é um dos traços mais importantes para o sucesso profissional (Thomas A. Case e Silvana Case, A Aparência do Executivo Brasileiro, CATHO, São Paulo, 1998). Os entrevistados sabem disso: 96% consideram "importante" ou "muito importante" a sua aparência nos locais de trabalho.

Os traços físicos e a maneira de comportar compõem a imagem que os empregadores valorizam para recrutar e promover funcionários. Boa aparência não é apenas beleza física: inclui asseio, apresentação, simpatia e boas maneiras. Em igualdade de condições, as pessoas atraentes são percebidas de maneira mais favorável.

Se é assim que funciona o mercado de trabalho, como impedir esse tipo de discriminação? Tramitam no Congresso Nacional inúmeros projetos de lei para proibir nos anúncios, o uso da expressão "boa aparência" e outras que nada têm a ver com qualificação.

A introdução gradual de proibições legais relativas à aparência, raça, deformidades, etc. constitui uma medida fundamental no campo dos direitos humanos. Muitos países chegaram a estabelecer sistema de cotas. Nada disso é suficiente para resolver o problema.

Ao se analisar os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, vê-se que o Brasil está se encaminhando para privilegiar os sistemas de punição para quem discrimina. Proibir o uso de determinadas palavras nos anúncios dos jornais, é fácil. Eliminar o conteúdo dessas palavras na hora de recrutar e promover é difícil.

A discriminação é um dos temas mais delicados da área trabalhista, pois toca em sentimentos profundos - um território dominado pelas paixões e por reações imprevisíveis. Por isso, muitas vezes, com o intuito de ajudar, uma lei acaba gerando mais conflitos como foi o caso dos países que implantaram agências do tipo "PROCOM" para recolher reclamações de quem se sente discriminado. Isso funcionou como um verdadeiro convite para tornar o ambiente de trabalho mais adversário e menos agradável.

O melhor caminho parece ser o de levar os empresários a elaborar códigos de ética intra-empresariais e constranger publicamente os que discriminam empregados, assim como, valorizar os que respeitam a dignidade humana. Nesse campo, a atuação da imprensa (geral e especializada) é uma peça central. Seria conveniente, portanto, se, gradualmente, a imprensa escrita e falada passasse a substituir anúncios desrespeitosos – como o acima – por campanhas educativas que enalteçam bons e maus comportamentos no trato com os seres humanos que trabalham.