Publicado no Jornal da Tarde, 04/04/2001
A criminilização do assédio sexual
A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que torna crime o assédio sexual, com pena de um a quatro anos de detenção. Será que essa é a melhor estratégia para se enfrentar o problema?
Cerca de 35 países possuem leis semelhantes. Neles, cobra-se indenização e encarcera-se o assediador, ficando a empresa como co-responsável. O que aconteceu?
As pesquisas mostram que as pessoas passaram a tomar mais cuidado antes de abusar do poder que têm na tentativa de trocar favores funcionais por favores sexuais – que é a chantagem característica do assédio. Isso é positivo.
Mas o novo remédio provocou vários efeitos secundários: (1) uma vez instaurado o inquérito e aberto o processo, assediador e assediado foram submetidos ao julgamento público, pois é difícil manter segredo em torno desses casos; (2) com isso, a erosão da sua imagem foi inevitável, com graves conseqüências para o relacionamento com familiares, amigos e colegas; (3) a criminilização instigou o surgimento de reclamações exageradas e absurdas, com vistas a punir o assediador e obter indenizações; (4) aumentou também o número de "conluios" entre assediador e assediado que passaram a simular um assédio para obter, e dividir entre si, a indenização determinada pelo juiz; (5) as relações de cordialidade e expontaneidade foram substituídas por relações de desconfiança e antagonismo no trabalho; (6) restringiu-se severamente o espaço para o romance sadio, condutor de namoros, noivados, casamentos e boas parcerias.
No que tange à construção artificial de casos de assédio, as empresas passaram a buscar leis contra a denunciação caluniosa e a difamação.
As cortes superiores, ao examinarem os sucessivos recursos, passaram a esclarecer que a responsabilidade das empresas é inversamente proporcional ao que fazem para prevenir e combater o assédio sexual no trabalho. Ou seja, a empresa que nada faz, é mais responsável; a que faz previne e combate, é menos responsável.
É daqui que surgiu a chave para se tratar de modo eficaz esse problema - a prevenção. A prevenção consiste no estabelecimento de uma carta de princípios e um conjunto de regras que elevam a responsabilidade e o risco do assediador potencial, de forma a dissuadi-lo do seu intento.
Nós brasileiros, que damos muito crédito para a força das leis, temos dificuldade para apreciar a força das regras. Mas essas regras revelaram-se muito mais poderosas do que as leis. Elas conseguem abortar o assédio no seu nascedouro e, na maioria das vezes, antes disso. São regras simples e que fazem o que todos desejam: eliminam, na prática, o assédio sexual dos ambientes de trabalho (ver José Pastore e Luiz Carlos Robortella, Assédio sexual no trabalho: o que fazer?, Ed. Makron Books, São Paulo, 1997).
No Brasil, seria útil responsabilizar as empresas no estabelecimento de políticas internas de prevenção e combate a todas as formas de abuso de poder, inclusive o assédio sexual. Afinal, cabe a elas manter um ambiente sadio de trabalho e proteger seus empregados contra danos físicos, morais e de imagem. Com isso, elas tratariam do assunto com atenção e zelo, de olho nos assediadores potenciais, e tudo fazendo para o assédio não surgir. Não é melhor "perseguir" os assediadores antes que o problema ocorra?
O projeto em tela está indo para o Senado Federal. Convém repensar a matéria, e reorientá-lo para o terreno da prevenção. É isso que interessa aos trabalhadores, empresas e sociedade. Mais importante do que encarcerar os assediadores é fazer as empresas evitarem o problema.
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