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Publicado no Jornal da Tarde, 27/12/00

O século dos idosos

Numa roda de jogar conversa fora, quis saber dos amigos presentes o que classificariam como o maior avanço do século que se encerra. Nas respostas, apareceu de tudo: o automóvel, o telégrafo, o avião, a penicilina, a televisão, o fax, o computador e a Internet.

Na minha vez de falar, disse que considerava o alongamento da vida humana a mais fantástica conquista do século XX. De fato, no início do século, os homens e mulheres do mundo ocidental viviam uns míseros 45 anos. Hoje, vivem 75. Foi um acréscimo extraordinário.

É claro que há diferenças entre os países. Mas, a duração da vida humana aumentou também entre os mais pobres. Na Índia dos anos de 1910, as pessoas viviam pouco mais de 20 anos; atualmente, vivem 60. No México, por volta de 1930, morria-se aos 40 anos. Em 1999, os mexicanos superaram a casa dos 60 anos. No Brasil, a vida média no início do século estava abaixo dos 50 anos. Terminamos o ano 2000, nos aproximando dos 70.

Os especialistas em nutrição, geriatria e genética estão sugerindo aos demógrafos que refaçam suas estimativas pois o ser humano ultrapassará os 100 anos ao longo do século XXI.

O mundo está envelhecendo e promete envelhecer ainda mais nas próximas décadas. Em 25 anos, um terço dos habitantes do planeta terá mais de 60 anos - o que significa 2,5 bilhões de seres humanos.

Até lá, quem tem 60 anos não será mais idoso. Quando se consideram as pessoas com mais de 65 anos, o Japão que já conta com 16% da população nessa faixa, passará para 23% no ano 2010. Sobrarão velhos e faltarão jovens. Naquele País, a maior dificuldade nos dias atuais é convencer as moças a terem filhos.

Na China a razão é outra, mas o resultado é o mesmo. Ao decidir limitar o tamanho da prole (por lei) a apenas um filho, o País descobriu que enfrentará o problema do envelhecimento já nas primeiras três décadas do século XXI.

Nos Estados Unidos o quadro é menos grave mas na maior parte dos países da Europa a situação se assemelha à do Japão. As crianças estão se tornando bens raros e preciosos, de difícil concepção, pela resistência dos casais a procriar. Com isso, a demografia se desequilibra e a imigração é inevitável.

No Brasil, a proporção de pessoas com mais de 65 anos que, em 1950, era de aproximadamente 4% do total, será de quase 12% em 2010 e deverá ultrapassar os 15% no ano 2020, englobando 35 milhões de pessoas!

Como será a vida com mais idosos? Será apenas um mundo desequilibrado? Mais dispendioso? Com asilos abarrotados?

Não necessariamente. Nos dias de hoje, a idade cronológica descreve cada vez menos o que é um idoso. Ao longo do século XX, as pessoas não só viveram mais, como viveram melhor. Atualmente, dos 14 milhões de pessoas que têm mais de 60 anos, cerca de 4 milhões trabalham, e geram renda para si. Esse número vem dobrando a cada 6 anos, sendo ascendente o número de empresas que têm boas surpresas e boas experiências com o trabalho de idosos.

Esse quadro deve ficar ainda mais claro no século XXI. Ao longo das próximas décadas, os seres humanos estarão aptos para funcionar autonomamente e trabalhar por muito mais tempo. Alguns preferirão o ócio, é verdade, mas tudo indica que o número de idosos-trabalhadores aumentará no período de 2001 a 2020.

Dentro do novo quadro de trabalho, deverá haver um grupo crescente de idosos, em condições de complementar os seguros públicos com seguros privados, até mesmo com planos de saúde, cujo preço deverá cair por força da economia de escala e dos avanços tecnológicos.

Isso deverá aliviar o peso dos idosos para o Estado e ativar um enorme mercado de produtos e de trabalho. Os 35 milhões de idosos-trabalhadores do início do século XXI consumirão bens e serviços ajustados à sua idade e à sua saúde. Eles que já respondem por 20% do movimento das agências de turismo, viajarão em roteiros cada vez mais diferenciados.

Os idosos demandarão serviços de profissionais da saúde, serviço social e até educação, como é o caso da universidade da terceira idade - um mercado de trabalho respeitável para professores que se formaram pensando que sua missão era de ensinar jovens e apenas jovens.

Ou seja, os mais velhos gerarão muito trabalho para os mais jovens. Nos países desenvolvidos, os profissionais que cuidam de pessoas idosas já estão em falta. Nos Estados Unidos, onde existem 700 mil profissionais desse tipo só no serviço público, estima-se que a sua demanda crescerá 76% nos próximos cinco anos. Os americanos já começaram a importar atendentes, enfermeiros, terapeutas, assistentes sociais e outros.

Por isso, é exagerado dizer-se que uma grande população de idosos é necessariamente um peso morto para a sociedade. Tudo depende da sua capacidade de trabalho e da sua renda.

Hoje em dia, 75% dos idosos do Brasil recebem menos de três salários mínimos. Mas, com a combinação de trabalho, seguros públicos e seguros privados, esse quadro deve mudar nos próximos 30 ou 40 anos. Eles terão mais renda disponível para consumir. No mundo inteiro as projeções indicam o idoso como a "bola da vez" no mercado de consumo ao longo da primeira metade do século XXI.

Mas, o idoso será feliz? Bem, a felicidade do idoso depende dos mesmos fatores que determinam esse estado nos seres humanos de qualquer idade: saúde, paz de espírito, renda, bons amigos e boa família.

Aqui é que moram os desafios do futuro. Repetindo, a doença não será grande problema para o idoso controlar. Entretanto, cair numa cama, dentro de um quarto isolado, sem visitas e sem esperança, é o pior de todos os males. Gente solitária sofre mais do que gente doente. Pessoas abandonadas são mais tristes do que pessoas apaixonadas pela vida. É isso que leva muitos idosos a pedir para dormir hoje, e não acordar amanhã.

O século XXI tem pela frente a monumental tarefa de criar novas instituições e novos mecanismos para articular as gerações. A sociedade moderna é marcada pelos conceitos de beleza, juventude e rapidez, que não fazem parte do mundo do idoso. Está por ser inventado um convívio que atenue a atual segregação geracional.

Os jovens de amanhã terão de apreender a usar a visão, a intuição e a temperança dos idosos. O encontro da complementaridade entre a energia da juventude com a sabedoria da velhice poderá trazer boas surpresas para a sociedade do futuro. Isto não depende de governo. Depende de acertos e erros e de um paciente aprendizado a ser realizado em várias décadas - uma tarefa para século.

Portanto, ficará para os filhos dos nossos netos, daqui há cem anos, a missão de registrar e contar o quanto se evoluiu na eliminação da segregação que ainda persiste entre as gerações humanas. Desejo um feliz ano novo para os meus leitores, esperando que vejam uma parte do que será realizado pelos jovens de amanhã.