Publicado no Jornal da Tarde, 01/11/00
O futuro do livro
Uma das maiores frustrações da minha vida foi o veredicto de um editor a quem, no início da minha carreira, entreguei um manuscrito (que me dera dois anos de trabalho) para eventual publicação.
Friamente, ele me disse: Não posso publicar um livro que não vai vender. O senhor, que está começando a vida, lembre-se que "livro que faz pensar, não vende".
Foi um choque. Calou fundo.
Nos dias atuais, felizmente, os meus livros são disputados pelas editoras. Mas isso me intriga. O que estaria acontecendo? Aumentou o número dos que pensam ou passei a escrever o que não exige raciocínio? É uma dúvida atroz.
Para dormir em paz, prefiro concluir que o cruel editor estava errado, assim como estão errados os que, com a chegada da informática, profetizam a morte do livro.
É verdade que muitas enciclopédias impressas deram lugar aos CD-ROMs, e revistas científicas podem ser lidas por meio eletrônico. É verdade também que existem no mundo mais de 250 mil livros virtuais (Geofrey Nunberg, The future of the book, Berkeley: University of California Press, 1996).
Mas nada disso tem a ver com o fim do livro. Acho pouco provável que você leitor venha a ler uma bela novela, num sábado à tarde, defronte da tela do seu computador. Tampouco lerá dessa maneira um livro de auto-ajuda, arte, política, biografia ou critica literária. A propósito, não conheço ninguém que tenha jogado fora seus livros de trabalho para ler tudo no computador.
Essa mania de dizer que uma coisa vai matar outra já não deu certo em outros tempos. Os futurólogos anunciaram que a fotografia mataria a pintura; o cinema mataria o teatro; a televisão mataria o cinema.
Nada disso aconteceu. Muitos "profetas" disseram que máquina de escrever acabaria com o lápis; a porta automática destruiria a maçaneta; as tele-conferências abalariam o transporte aéreo; a informática terminaria com o escritório de papéis.
Nada disso se concretizou. É verdade que o telégrafo entrou em decadência; as carruagens saíram de cena; e as lavadoras tomaram o lugar das lavadeiras. Mas, só porque há um futuro, não se pode reduzir todo o presente a cinzas.
As novidades têm um componente de modismo. Eu mesmo já me iludi com elas. Cheguei a acreditar numa biblioteca sem livros. Hoje, tenho dois computadores no escritório, dois em casa e um notebook para viagens - e continuo comprando mais de R$ 500 por mês em livros e revistas.
É uma verdadeira dependência. Não consigo me afastar deles. O computador é útil na medida que se soma aos conhecimentos que obtenho nos livros e revistas. Para mim, a Internet virou um desses restaurantes da moda: está sempre tão lotado que perco o ânimo de frequentá-lo.
O livro é prático. É de uso imediato. É portátil. Pode-se ser aberto em qualquer página. Dispensa parafernálias. Não trava e não sai do ar. Pode ser emprestado. É lido por muitas pessoas. E está cada vez mais vivo. Em dez anos, o número de títulos e exemplares no Brasil dobrou. As livrarias se multiplicaram, sofisticaram-se, tornaram-se agradáveis pontos de encontro. Suas vendas também dobraram.
Os que antecipam o fim de tudo, nunca vivem o suficiente para constatar os seus erros. Sei que estão inventando um livro eletrônico, cujas páginas podem ser abertas na tela da palma da mão. Penso que vai ser útil. Mas não arrisco dizer que ele vai matar o livro que eu conheço, uso e gosto. Como bom estar rodeado de livros...
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