Artigos 

Publicado em O Estado de S. Paulo, 03/10/2006.

Ainda há esperança

Sempre que vem ao Brasil, procuro me encontrar com ele. Como todo homem inteligente, Domenico De Masi é muito controvertido. Há os que adoram a sua "sociedade do ócio", assim como há os que são céticos quanto a sua viabilidade.

O que mais aprecio em Domenico de Masi é o seu vasto conhecimento da história e a sua superior capacidade de usar os fatos do passado para construir as teorias do presente.

Assim ele fez no dia 27 de setembro de 2006, em São Paulo, na homenagem aos 50 anos da Fundação Bradesco. Essa entidade investe, anualmente, cerca de R$ 180 milhões para educar mais de 100 mil jovens que, apesar de estudarem em comunidades extremamente carentes, recebem uma educação de boa qualidade, alimentação adequada e assistência médica e psicológica integrais.

Buscando se preparar para o próximo meio século de trabalho, os educadores da Fundação perguntaram a De Masi: o que devemos ensinar para as crianças que serão chefes de família daqui a 20 ou 30 anos? O mestre respondeu:

"Estamos diante de um grande dilema. Os países desenvolvidos não querem mais produzir bens materiais que gastam energia, poluem o ambiente e pagam baixos salários. Eles desejam ficar com a produção dos bens imateriais, como a pesquisa, as inovações, as artes, etc. Para tanto, transformaram suas escolas em fábricas de idéias e tentam empurrar a produção dos bens materiais para os países menos desenvolvidos, dentre eles, o Brasil".

De Masi argumenta que o Brasil não deve aceitar pacificamente esse paradigma. Para escapar dele, propõe uma urgente transformação das nossas escolas para que possam preparar os seres humanos para a produção de bens materiais e imateriais.

"Não há razão de um tipo de produção excluir o outro, disse o sociólogo, especialmente no Brasil que tem uma cultura espontânea, viva, alegre, emotiva e criativa. Aqui, aduziu, há muito espaço para as atividades de pesquisa, arte, cultura, estética, beleza, lazer, etc. Aconselho, portanto, mudar inteiramente a educação que visa apenas a preparação para o trabalho existente", concluiu.

Penso que os professores ali presentes gostaram da proposta. Acompanho as atividades da Fundação Bradesco há 30 anos e vejo na sua filosofia uma nítida preocupação com a formação para o trabalho e para a vida. Suas escolas transmitem aos alunos importantes valores básicos, como a ética de conduta, o zelo pelo que se faz, o amor ao próximo, o cultivo do afeto e da emoção que, afinal, são vitais para a nossa felicidade. Prova disso foi a belíssima abertura daquela cerimônia, marcada pela esplendorosa música dos 80 jovens que compõem o coral da Fundação, entusiasticamente regidos por Sonia de Moraes.

Foi uma manhã inesquecível, não só pela densidade do pensamento de Domenico De Masi, mas, sobretudo, para convencer os presentes que, apesar de todos os problemas, o Brasil tem jeito. É só educar bem.

Muitos argumentarão que isso é uma gota d´água num imenso oceano. Não é bem assim. A sociedade moderna passou a pressionar de modo efetivo todas as empresas. Estas já não podem restringir seu trabalho a produzir e vender. Elas têm de exercer inúmeros novos papéis no campo social. As pressões dos acionistas, empregados, sindicalistas, consumidores, comunidades, ONGs, associações de bairro, movimentos sociais, todos, enfim, tornaram as empresas co-responsáveis pelo bem estar das pessoas – o que não existia há 15 anos atrás.

Tomem o caso da obesidade e vejam os movimentos das ONGs dos Estados Unidos que responsabilizam as empresas de "fast food" pela degradação da saúde do povo. Observem o caso dos fumantes que acionam as empresas por propaganda enganosa estampada nos maços de cigarros. Atentem para a Petrobrás, que volta e meia, é chamada a limpar o que suja na terra, no mar e no ar.

O mundo empresarial mudou. A sociedade demanda que as empresas sejam mais "sociais". O executivo que não vê essa realidade perderá o bonde da história e sua empresa fracassará. Por isso, é gratificante verificar que cresce no Brasil o numero de empresas que compreendem suas novas missões. Algumas viram isso há 50 anos. Outras estão vendo agora. E a maioria verá amanhã. É nisso tudo que mora a esperança.