Publicado no Jornal da Tarde, 01/05/02.
1º de maio e prisão de trabalhadores
Hoje é 1o. de maio. Dia do trabalho. No meu tempo de menino, era a oportunidade para os empregados saírem com suas famílias e fazer pic-nic nos parques de São Paulo.
Falando "no meu tempo...", fazia meses que não encontrava o Marcel Solimeo. As saudades eram grandes. Além de possuir um rico talento, ele tem uma bela alma. Batemos um papo gostoso. E falamos de um amigo comum, o Mário Sérgio Cortela - uma outra mente privilegiada e grande ser humano.
Em artigo recente, o Cortela lembrou de uma velha lei brasileira que considerava vadiagem ficar sem trabalhar.
Essa conversa foi na última 6a. feira - exatamente o dia em que o IBGE publicou a taxa de desemprego do mês de março de 2002 que, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas, chegou a 7,1%.
Como nessas regiões há uma população economicamente ativa de 19 milhões de pessoas, o Marcel, como é do seu estilo, fez uma conta relâmpago, constatando que, só ali, há cerca de 1,3 milhão de brasileiros que não trabalham - todos enquadráveis no artigo 59 da Lei das Contravenções Penais (Lei 3.688/1941) que define a "vadiagem" da seguinte maneira:
"Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita".
A pena varia de 15 dias a três meses de prisão.
Eu que andei estudando a questão prisional, logo alertei: vá devagar, Marcel. No Brasil todo há cerca de 160 mil presos em cadeias públicas e 60 mil em delegacias. Já está faltando ar para eles respirarem. Nem pensar em pôr mais gente em sua companhia. É melhor esquecer que essa lei existe e que há 1,3 milhão de "vadios" neste País.
O pior é que, esse montante se refere apenas às seis regiões metropolitanas. Se considerarmos todo o Brasil, os "contraventores" ultrapassam a casa dos quatro milhões, pelo conceito de desemprego do IBGE. E, se usarmos o conceito que inclui o chamado trabalho precário, bem..., é melhor não fazer essa conta... porque vai ultrapassar, de longe, a casa dos 10 milhões de pessoas. Onde arranjar prisão para essa multidão?
É triste ter de comentar esse assunto no dia 1o. de maio, quando gostaria de estar celebrando o pleno emprego e o trabalho digno para todos os nossos irmãos. Infelizmente, a situação é outra. Ao lado dos quatro milhões de desempregados, o Brasil tem mais de 40 milhões de pessoas que trabalham no mercado informal, sem nenhuma proteção da Previdência Social.
Não é a toda que a questão do emprego aparece em primeiro lugar dentre as preocupações dos brasileiros.
Esse problema tem cura? Felizmente tem. O Brasil tem tudo para se transformar em uma grande usina de empregos. Só na infra-estrutura há uma imensidão de oportunidades. Temos apenas 150 mil quilômetros de rodovias pavimentadas, enquanto a Itália e a Inglaterra têm 300 mil cada; o minúsculo Japão tem 790 mil; e os Estados Unidos mais de cinco milhões de quilômetros asfaltados.
No campo da habitação dá-se o mesmo. O Brasil tem um déficit de 12 milhões de casas de boa qualidade. No terreno da energia, há que se construir uma Usina de Tucuruí por ano. Saneamento é uma outra área de grande necessidade. As ferrovias requerem ampliação. Os portos, a mesma coisa.
Para resolver esses problemas ao longo de oito ou dez anos, o Brasil pode se transformar em um gigantesco canteiro de obras, gerando milhões de postos de trabalho diretos e indiretos.
O que devemos fazer? Uma das alternativas é revogar a Lei 3.688/1941, acabando-se, assim, com todos os "vadios". A outra - muito melhor! - é ampliar os empregos. O Brasil precisa gerar oportunidades para todos os que necessitam trabalhar e isso é viável através da articulação de três forças: aceleração do crescimento econômico, melhoria da educação e aperfeiçoamento da legislação trabalhista.
Espero viver o suficiente para poder voltar a comemorar um 1o. de maio do jeito que meu pai fazia comigo, minha irmã, minha mãe e todas as famílias que se reuniam para descansar e brincar depois de um longo ano de trabalho.
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