Publicado no Jornal da Tarde, 03/08/2005.
Profissão: mentiroso
O espetáculo que se assiste diariamente na TV Senado, que transmite os trabalhos da CPI dos Correios, é um fantástico show de mentiras. Os depoentes ali comparecem com garantias legais para mentir. Por isso, só tomam o tempo dos parlamentares. Estes, por sua vez, vibram com sua exposição prolongada na televisão, insistindo em perguntas que não são respondidas. Ou seja, uns fazem que investigam, outros fazem que são investigados. Com raras exceções, são mentirosos profissionais.
Na vida cotidiana, há casos em que a mentira é admissível. Um ministro da fazenda que prepara uma desvalorização da moeda, se perguntado, dirá que isso é falso. Um médico que atende a um doente desenganado, se indagado, dirá que ele vai melhorar.
A mentira se justifica quando ajuda o próximo. O ministro que mente, evita perdas (e ganhos) especulativos assim como o médico visa o conforto do moribundo. Mas o direito de mentir não é infinitamente elástico. A sociedade espera que políticos, médicos e cidadãos em geral sejam pessoas honestas e digam a verdade. Insistir na mentira quando a situação requer a verdade, é grave. Um mágico no palco mente, mas a sua mentira é cabível e aceita. O público quer isso. Mas, quando o Uri Geller disse, fora do palco, que seus truques não eram mágica - a sua mentira foi repudiada.
Nos ambientes de malandros, as mentiras são fartas. Mentem nas situações que exigem verdade. As CPIs do Brasil já testemunharam depoimentos de muitos malandros. O ex-deputado João Alves, que Deus o tenha em bom lugar, justificava sua fortuna dizendo ter ganhado 200 vezes na loteria por possuir uma "linha direta" com Deus. Desafiou a nossa inteligência.
O mesmo tipo de ofensa ocorreu na CPI dos precatórios, em 1997, quando um dos laranjas disse que, por ter um velho costume (inocente), assinou 250 cheques em branco. Pegou mal. Ninguém acreditou.
No mês passado, o viajante Adalberto Vieira da Silva disse que os R$ 250 mil que transportava na maleta e os US$ 100 mil que estavam na cueca eram fruto de uma venda de alface. Com o mesmo desplante, o operador Marcos Valério disse ter levantado empréstimo de R$ 90 milhões para comprar gado. E o Presidente Lula, depois de emitir uma Medida Provisória para bloquear os trabalhos da CPI, afirmou ter nascido – e assim deseja morrer - querendo CPIs para apurar tudo.
São agressões graves ao bom senso dos brasileiros. Que essas pessoas façam suas mágicas perante o seu público, tudo bem. Mas, querer dar uma de Uri Geller perante 180 milhões de brasileiros, é demais. Elas têm de entender que não é possível mentir a todos o tempo todo.
Como garantir a verdade quando a situação não comporta a mentira? Além da boa educação e de valores morais sadios, a sociedade precisa de mecanismos institucionais que elevam o custo da mentira. Nesse terreno, punir é essencial. Dar ampla visibilidade à punição é importantíssimo. Tudo isso desestimula a mentira.
Mas nas CPIs, é comum surgir logo o inconfundível cheiro de pizza. Quanto maior o número de envolvidos, maior é a probabilidade de não dar em nada. Com isso, os parlamentares, governantes e juízes estendem indevidamente o direito de mentir.
Tungar o povo é grave porque, além de encarecer a administração, deteriora os serviços públicos e dilacera os valores morais. Lamentavelmente, a amplitude das mentiras do caso dos Correios e do mensalão parece se encaminhar para uma enorme pizza. É uma pena. Adiaremos outra vez a oportunidade de dar bons sinais à sociedade e, em especial, aos jovens que, se nada mudar, serão grandes mentirosos.
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