Publicado em O Estado de S. Paulo, 18/01/2000
Espionagem no trabalho
Até que ponto pode o empregado utilizar-se da rede de computadores da empresa em que trabalha para enviar e-mails particulares e usar a Internet em seu benefício?
Está aí um problema trabalhista trazido por uma nova tecnologia. O debate cresce rapidamente nos países avançados, onde a grande maioria das pessoas trabalha no computador.
Os relatos têm revelado os usos mais absurdos, que vão desde a pornografia até os negócios pessoais, passando pelos bate-papos, piadinhas, notícias dos sindicatos, convites para reuniões, divulgação de poesias, receitas culinárias, temas de espiritualismo, comunicações de aniversários, nascimentos, casamentos e falecimentos.
Quais são os problemas gerados pelo uso indevido dos computadores? Em primeiro lugar, há uma perturbadora sobrecarga da memória e da rede. Em segundo lugar, há o tempo subtraído do trabalho que é usado para preparar e enviar mensagens ou "surfar" na Internet. Em terceiro lugar, há o tempo gasto por todos os empregados que têm de ler enormes quantidades de mensagens. Tudo isso reduz a produtividade do trabalho.
É evidente que o problema não é geral. Os que trabalham em um terminal ligado à Bolsa de Valores, por exemplo, "não têm tempo para se coçar". O mesmo ocorre com outros profissionais. Ademais, os empregados responsáveis usam a ferramenta com bom senso, sem afetar a produção.
Mas, onde o problema surge, os empregadores se sentem no direito de defender seus legítimos interesses. Afinal, os computadores são de sua propriedade e estão ali para serem usados no trabalho. Da mesma forma, o tempo é por eles remunerado para ser trabalhado e não desperdiçado.
Os empregados argumentam que os empregadores estão fazendo uma tempestade em um copo d'água. Afinal o problema não é novo. As empresas sempre conviveram com funcionários que, sem causar prejuízo, usaram o fax, o telefone, o xerox e, para recuar mais no tempo, o mimeógrafo, as cópias carbônicas e os bilhetinhos de papel.
Porém, as empresas de hoje em dia não querem saber de perda de tempo, e se preparam para controlar o uso da comunicação eletrônica. Esta ocorre de maneira muito menos visível do que o manuseio de um fax, telefone ou mimeógrafo pois, o "infrator", fica sentado em seu posto de trabalho, aparentemente, trabalhando para a empresa.
Muitas empresas já definiram normas proibindo o uso do computador para toda e qualquer atividade que saia da rotina de trabalho. Algumas colocam um aviso na primeira tela de forma que, todos os dias, ao abrir o computador, o empregado é lembrado da proibição. Outras vão mais longe, e informam que as operações dos usuários são diariamente monitoradas com aquele fim. E as mais avançadas já instalaram "softwares" complexos que fazem isso automaticamente, emitindo, inclusive, as punições aos infratores, a exemplo do que fazem os radares do trânsito com os motoristas imprudentes.
As poucas pesquisas até agora realizadas mostram que, em muitos casos, o problema persiste e a implementação das normas gera outros. Ao se verem monitorados, os empregados passam a protestar contra a invasão da privacidade de correspondência e comunicação em geral.
Nos Estados Unidos, vários casos desse tipo já chegaram à Justiça e ao National Labor Relations Board (Lloyd C. Loomis, "The National Labor Relations Board and Eletronic Communications", 2000). Os juizes e os árbitros não sabem o que fazer. Tudo é novo nesse campo. Ninguém podia imaginar que o computador, que resolve tantos problemas no mundo do trabalho, pudesse, em tão pouco tempo, se transformar em um foco de conflitos trabalhistas.
O fato é que o volume de mensagens eletrônicas é colossal, e cresce de hora em hora. Imagine uma empresa com 1.000 ou mais empregados passando e recebendo e-mails particulares todos os dias. Milhares de horas de trabalho são perdidas. Para muitos, a Internet tornou-se uma irresistível tentação para se informar e praticar "outros esportes"..., tudo no horário de trabalho, e usando um sistema que a empresa ali instalou para resolver os seus problemas.
A polêmica está apenas iniciando e, como sempre ocorre nesses casos, um novo mercado começa a despontar. Várias firmas de "software" já ganham dinheiro, vendendo os chamados "serviços de sentinela" para espionar, capturar e punir infratores contumazes (Michael J. McCarthy, "Spying on Employees", Wall Street Jornal, 10/01/00), da mesma maneira que os advogados aprontam suas afiadas lanças para acionar os empregadores que violam os direitos humanos e constitucionais dos seus empregados.
Esse será, sem dúvida, um dos novos temas trabalhistas da década que se inicia. As leis, os contratos de trabalho, os juizes, os árbitros e os mediadores terão de encontrar formas de conciliar os direitos dos empregadores que desejam controlar o uso do tempo de trabalho, com os direitos dos empregados que desejam manter a sua correspondência pessoal inviolada. Está aí um bom campo para pesquisa e experimentação nas relações de trabalho.
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