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Publicado no Jornal da Tarde, 26/01/2004

O trabalho depois das férias

Recomeço a escrever depois das minhas curtas, mas merecidas férias. A retomada é penosa.

Não sei se isso acontece com o caro leitor, mas a volta das férias costuma me dar muito trabalho. Começo mencionando a pilha de correspondência a responder que inclui desde deliciosas mensagens de amigos até as inescapáveis "cartas de amor" do imposto de renda, o IPTU, do IPVA, do seguro do carro.

Ligo o meu computador e me deparo com centenas de e-mails não respondidos - a maior parte de intrusos que se põem a fazer propaganda onde não são chamados - um inferno! Mas, dentre eles, há perguntas de alunos, colegas, amigos e leitores para os quais nunca dispenso a minha atenção.

Por cima de tudo, há os recados deixados na secretária eletrônica, muitos dos quais superados, as demandas de trabalho sobre minha mesa, pedidos de entrevistas, solicitação de artigos para revistas, enfim, um colosso de tarefas a fazer no dia em que o tempo mal dá para acudir a rotina.

Sabendo que cheguei de férias, o telefone não pára de tocar. Dou conta de atender os absolutamente necessários. Os demais têm de ser respondidos depois.

Entro numa reunião e minha mente fica paralisada por tudo aquilo que não fiz e pela longa lista de contas que não cabe no meu curto saldo bancário. Confesso: minha atenção se dispersa e a produtividade cai.

Como você vê, caro leitor, férias também têm seus problemas. Se, de um lado, elas são um remédio importante para combater o cansaço e o stress, de outro, como todo medicamento eficaz, têm seus efeitos colaterais. Inúmeros estudos mostram que o ritmo normal de trabalho só é alcançado depois de dois ou três dias (Joe Robinson, Work to Life: A Guide to Getting a Life, New York, 2003).

O que fazer? Já me sugeriram voltar dois dias antes do término oficial das férias, ou seja, encurtá-las. Não gostei da idéia. Outra sugestão foi a de não contar para ninguém que voltei das férias. Inviável. Como posso me esconder dos chefes e colegas? Houve ainda os que propuseram encompridar as férias. Dessa eu gostei e penso que todos os trabalhadores apoiariam - exceto os empregadores, é claro.

Mas por que eles seriam contra? As férias no Brasil são longas ou curtas quando comparadas com o resto do mundo? Longas, e geram custos altos. Pela lei, as empresas têm de arcar com as despesas de 30 dias de férias mais 10 dias de abono para quem tem um ano de firma - o que dá 40 dias.

Mesmo em matéria de férias em si - sem contar as despesas dos 10 dias de abono - o Brasil é recordista entre os países de maior PIB do mundo (ver quadro abaixo).

Dias de férias legais e praticados por negociação

País

Dias Legais de Férias

Dias efetivos de férias (negociados)

Brasil

30

30 + 10 de abono

Suécia

25

25-35

França

25

25-30

Alemanha

24

30

Itália

20

30

Holanda

20

25

Inglaterra

20

25

China

15

15

Japão

10

17

Estados Unidos

0

10-15

Fonte: European Industrial Relations Laboratory e Bureau of Labor Statistics (2003).

O Brasil tem agora um governo comandado por um ex-sindicalista, auxiliado por milhares de sindicalistas que sempre lutaram por menos trabalho e mais salário - afinal, esse é o seu ofício. Essa é a hora de pleitear mais dias de férias... você não acha, caro leitor?

O mesmo se pode dizer a respeito da jornada de trabalho. Líderes do atual governo pleiteiam, há décadas, uma redução de jornada, sem redução de salário. O número mais falado é de 40 horas semanais, mantido o salário referente a 44 horas, o que dá um aumento de 10% no salário hora, em cima do qual incidirão despesas de mais de 100%.

A idéia é mudar a Constituição Federal para fazer com que todas as mega, grandes, médias, pequenas e micro empresas do Brasil contratem mais pessoas, trabalhando menos tempo. Outra vez, a hora é agora. Se não conseguirmos com o PT, vamos conseguir com o PP?

Deixando de lado a brincadeira, o Brasil precisa tomar muito cuidado com essas medidas generosas que visam aliviar a carga de trabalho com o objetivo de gerar mais emprego. O tiro pode sair pela culatra. Basta lembrar que 90% de nossas empresas (que empregam 50% da mão-de-obra) são micro e pequenas empresas. Será que elas agüentariam esse aumento de despesa? É bom pensar nisso antes de se aprovar aventuras irreversíveis.