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Publicado em O Jornal da Tarde,08/10/1997

Família e religiosidade

Na sua visita ao Brasil, em 1997, João Paulo II concentrou suas energias na família. Ele a considera como a base da realização individual e social e, por isso, precisa ser fortalecida - até mesmo para a preservação da religião pois, afinal, os filhos aprendem com os pais.

Li, durante a visita do Papa, por coincidência, o trabalho de um grande amigo que leciona na Austrália. O Johnathan Kelley é um sociólogo brilhante e que usa com precisão as ferramentas da matemática no estudo dos fenômenos sociais.

Estava com saudades do Kelley. Ele em Camberra e eu em São Paulo, moramos nas extremidades do planeta. A Internet ainda não substituiu o calor do contato pessoal.

Mas, vamos ao assunto. Johnathan Kelley juntamente com Nan Dirk De Graaf tinham recém-publicado um estudo fascinante sobre religião. Eles procuraram responder a seguinte pergunta: Afinal o que conta mais na preservação de uma religião, a família ou o meio social? (National Context, Parental Socialization, and Religious Belief, 1997).

O que o leitor acha? Da minha parte vou logo dizendo que estava errado. Sempre pensei que a família era o principal centro de influência nesse campo. Os autores entrevistaram 17 mil pessoas, em 15 países, e chegaram à conclusão inversa: o meio pesa mais do que a família.

Fiquei surpreso. Pensei em telefonar ao Kelley para defender a teoria contrária. Mania de gente acadêmica... Mas, lendo melhor o trabalho, vi nele uma série de coisas que tendem a passar despercebidas.

Os autores mostram que, de fato, pais devotos tendem a inculcar nos filhos os seus valores religiosos. Eles argumentam, porém, que se tudo dependesse apenas da família, as pequenas perdas que vão se acumulando ao longo das gerações transformariam uma sociedade de religiosa em secular em dois os três séculos - o que não ocorre.

Os pais pesam na socialização religiosa. Mas, logo cedo, as crianças fazem amigos na vizinhança e na rua; na adolescência formam turmas; na escola recebem a influencia de professores e colegas; durante toda a vida sofrem o impacto da mídia, dos namorados e da cultura nacional.

As crenças religiosas dependem muito dessas influencias. As pessoas que nascem em uma cultura predominantemente religiosa, têm uma alta probabilidade de arranjar amigos, colegas de escola e de trabalho, namorados e esposos também religiosos. Por isso, o meio social pesa mais na preservação da religião.

Quando a sociedade cultiva o sobrenatural, o místico, a liturgia, o mágico, o misterioso - as crenças são duradouras. No Brasil isso é evidente. Durante a visita do Papa, falou-se muito na perda de adeptos por parte da Igreja Católica. é uma prova de que muitas famílias não conseguiram segurar seus filhos no catolicismo.

Mas, como a nossa cultura é marcadamente religiosa, o meio social se encarregou de transferir a religiosidade para outras religiões. O crescimento vertiginoso das Assembléias de Deus, da Igreja Universal, dos Testemunhos de Jeová e outras religiões provocou deslocamentos mas manteve o forte conteúdo religioso da nossa cultura.

O nosso povo tem muita religiosidade. Você já reparou que o brasileiro canta o hino nacional como se fosse um ato de contrição? Na visita do Papa, tudo estava muito sério - quase fúnebre. Foram as carinhosas brincadeiras do Santo Padre com os cariocas, baianos e gaúchos que levaram o povo a descontrair e vibrar alegremente no Maracanã como nos grandes eventos esportivos. E tudo virou festa que, aliás, é um outro traço bastante cultivado pelos brasileiros.