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Publicado no Jornal da Tarde, 01/10/2003.

As lições do caso Gugu

Essa não é minha especialidade e, por isso, vou logo pedindo tolerância aos profissionais da imprensa se alguma imprecisão sair destas reflexões sobre o caso Gugu Liberato. Quero opinar como cidadão e telespectador que deseja viver em um clima de liberdade com responsabilidade.

Há muito tempo que a televisão brasileira vem sendo "tabloidizada". Para ganhar audiência, fazem de tudo. O Ratinho ganhou muitos pontos no IBOPE exibindo deformações dos portadores de deficiência. Felizmente, isso acabou. Nos programas da tarde, exploram-se até hoje inúmeras desgraças humanas como estupros, abuso de menores e até prostituição de idosos. No dia 7 de setembro de 2003, o Domingo Legal mostrou bandidos mascarados ameaçando pessoas de bem. A Justiça agiu e proibiu o programa seguinte.

Daí para frente, começou a polêmica. Todos reconhecem que a emissora errou ao transmitir informações falsas e emitidas por bandidos falsos. Mas muitos discutem o cabimento da "censura prévia".

Lendo um texto clássico de John Stuart Mill sobre a Liberdade, encontrei o seguinte ensinamento: "Justifica-se restringir a liberdade de um indivíduo quando é para evitar danos em outro". Aplicado à televisão brasileira, esse princípio tiraria do ar um grande número de programas.

Na legislação inglesa e americana, exige-se que a televisão divulgue informações acuradas, não minta e separe os fatos das opiniões (Robert M. Baird e outros, The Media and Morality, New York: Prometheus Books, 1999). Aplicada ao Brasil, essa legislação acabaria com um outro tanto de programas.

A legislação britânica inspirou o Deputado Federal Marcos Rolim que, no ano passado, apresentou o projeto de lei 6.077/2002, com o objetivo de por um pouco de ordem na televisão brasileira. Os produtores dos tablóides agiram rápido, e o projeto foi arquivado.

Mas a idéia não morreu. Em julho de 2003, o Deputado Federal Orlando Fantazzini apresentou o projeto de lei 1.600/2003 que estabelece um Código de Ética para a Programação Televisiva Brasileira. Se esse projeto fosse lei, o erro do Gugu não teria sido praticado ou teria sido severamente punido.

Dentre os principais dispositivos daquele projeto destaco os seguintes: (1) a programação televisiva não incitará o ódio e/ou a violência contra quem quer que seja e deve afirmar um compromisso com uma cultura de paz; (2) as emissoras de televisão não permitirão que seus comunicadores, apresentadores e repórteres estimulem a prática de atos violentos ou recomendem a adoção de medidas violentas; (3) os entrevistados devem ser informados claramente sobre o conteúdo do programa e o motivo pelo qual estão sendo contatados pela produção do programa; (4) as entrevistas não poderão contribuir para o endeusamento da imagem do criminoso; (5) as emissoras que produzirem e/ou divulgarem matéria jornalística que, posteriormente, se descubra equívoca ou imprecisa, devem levar ao ar, no mesmo horário e com o mesmo destaque, a retificação formal que reponha a verdade dos fatos; (6) no caso de descumprimento, o Conselho Nacional pela Ética na Televisão aplicará punições gradativas às emissoras - advertência escrita, multa pecuniária, suspensão do programa, suspensão de toda a programação e recomendação de cassação da concessão.

No meu entender essa lei é urgente e necessária. As televisões poderiam seguir um caminho alternativo, como fizeram as agências de publicidade ao criarem o CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) que vem seguindo à risca o seu código de ética.

Eu sou daqueles que acredita muito nessas soluções voluntárias. Mas neste caso penso diferente. As emissoras conhecem muito bem o mecanismo do CONAR, discutem o assunto a anos, já podiam ter implantado algo semelhante, mas até então nada fizeram para acabar com a lucrativa baixaria.

Aí não tem jeito. O Estado precisa entrar. Afinal, as emissoras são concessionárias de um bem público e nós, como parte desse público, temos o direito de exigir o culto à paz e à dignidade humana através de uma lei dura.

O que me arrepiou foi a decisão da Justiça que suspendeu o programa seguinte sem conhecer o seu conteúdo e antes mesmo da aprovação desta lei que, como se vê, tem vários tipos de penas, mas nenhuma baseada em censura prévia.

Enfim foi um rosário de erros - da emissora, do produtor, do apresentador, dos entrevistados e da Justiça. Oxalá tudo isso sirva de lição. Como parte do aprendizado, as emissoras de televisão poderiam abrir espaços para discutir o projeto mencionado. Isso permitiria recolher muitas opiniões, aperfeiçoar a peça legislativa e ajudar a Justiça a prevenir e corrigir esses desvios de conduta dentro de um clima de liberdade com responsabilidade. E sem censura!