Publicado no Jornal da Tarde, 19/02/2003.
Espionando seus filhos
As tecnologias da informática estão proporcionando inúmeras possibilidades de espionagem. Já abordei nesta coluna a tendência crescente das empresas que se utilizam de recursos especiais para saber de que maneira seus funcionários usam a Internet. A demanda por "programas rastreadores" aumentou extraordinariamente nos últimos anos.
Procedimentos invasivos como esses têm sido objeto de reclamações e ações judiciais por parte dos funcionários e sindicatos que alegam violação de privacidade toda vez que a empresa se intromete na sua correspondência eletrônica.
As empresas alegam que os computadores são de sua propriedade e que o os empregados são remunerados para trabalhar, e não para enviar e receber e-mails de caráter pessoal. Esta tese foi vitoriosa na Inglaterra que, em 2002, aprovou uma lei que, dentro de certas limitações, permite às empresas controlar e-mails, telefonemas e fax de seus funcionários.
Rastreamento de mensagens ou, simplesmente, espionagem no trabalho sempre suscitam polêmica. O que dizer, porém, da espionagem dos filhos? Essa é uma outra área em que os procedimentos indicados vêem crescendo de forma assustadora. O mercado já dispõe de vários tipos de "softwares" ("child safe", "watch right", "e-blaster" e outros) que permitem aos pais obter um relatório periódico sobre tudo o que seus filhos andam fazendo durante o dia ou à noite (Michelle Higgins, "How to spy on your kids", Wall Street Journal, 09/01/2003).
A periodicidade do relatório e o detalhamento das mensagens são de escolha dos pais. Os mais aflitos pedem um ou dois relatórios por dia, contando tim-tim por tim-tim.
O mercado já percebeu que a quantidade de pais angustiados e superprotetores é imensa, razão pela qual a Finer Technologies, a Cyber Sentinel e a Security Software Systems colocaram à venda programas que enviam relatórios em tempo real, no canto da tela do computador de trabalho, alguns com sinal de alerta para que as mensagem não passem despercebidas.
Com apoio nessa nova parafernália, muitos pais descobrem que seus filhos estão usando maconha e outras drogas ou envolvidos com pornografia e outras atividades ilícitas.
E daí, o quê fazer com essa informação? Essa é a grande questão.
É evidente que um procedimento como esse pode gerar nos filhos um sentimento de profunda frustração. Nada pior do que saber que os pais não confiam nos filhos. Mais grave ainda é saber que eles se metem na intimidade dos filhos. No relacionamento interpessoal, isso é tão devastador quanto os que ouvem conversas telefônicas ou lêem os diários dos filhos.
Esse é o mundo moderno. As novas tecnologias fornecem informações cujo uso mais destrói do que constrói as relações entre os seres humanos.
Não devemos menosprezar o seu valor, é claro. Afinal, muitas intervenções podem ser feitas pelos pais, em tempo hábil, quando descobrem que seus filhos estão a perigo.
Mas nada substitui o contato pessoal, íntimo e amoroso. Contato esse que está se tornando escasso por duas razões. De um lado, os pais trabalham demais ou, na maioria dos casos, dividem mal o tempo ao querer fazer muitas coisas no mesmo dia (ginástica, cinema, televisão, terapia, etc.).
De outro, os filhos estão sobrecarregados com tantas atividades que, para falar com eles, é preciso marcar hora com grande antecedência, pois a sua agenda está repleta de compromissos inadiáveis (inglês, balé, malhação, aula de bateria, etc.).
A vida moderna criou um problema redistributivo no uso do tempo. Pais e filhos entupiram-se de atividades, acabando com o tempo livre para se encontrarem na intimidade, na conversa solta, nas brincadeiras ou simplesmente para ficarem juntos sem fazer nada. E muitos põem toda a culpa no trabalho e no trânsito... Não seria melhor planejar momentos de contato pessoal e investir mais na formação moral e comportamental dos filhos do que espiona-los o tempo todo?
O controle dos desvios de comportamento das crianças e dos adolescentes depende muito mais da interação afetiva do que de espionagem de pais em cima dos filhos. Esse tipo de controle levanta a suspeita, corrói a confiança e tipifica a desonestidade.
Sinceramente, não sei como um pai pode ganhar algum sossego por receber na tela do seu computador de trabalho, em tempo real, as informações do que seu filho está fazendo!
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