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Publicado no Jornal da Tarde, 21/08/2002.

Amor e economia

Em 26/02/1998 relatei nesta coluna o caso de um policial militar que foi condenado por um juiz de Sorocaba a pagar à sua ex-namorada uma indenização no valor de R$ 10 mil por ter rompido com ela depois de um namoro de mais de quatro anos. O Jornal da Tarde de 01/05/2002 informou que o caso está chegando ao Supremo Tribunal Federal depois de várias sentenças contraditórias. A moça alega ter incorrido em prejuízos materiais e morais: enxoval, vestido de noiva, preparativos gerais, viagem de núpcias, convites e avisos.

A Folha de S. Paulo de 05/05/2002 diz estar virando moda o "contrato de namoro" através do qual os parceiros buscam evitar que seu relacionamento se transforme em "união estável" para não repartirem os bens no caso de rompimento.

Para evitar embaraços como esses, Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia, recomenda fazer contratos detalhados, definindo as regras que governarão a custódia dos filhos, a divisão da propriedade, da poupança acumulada e a pensão alimentícia no caso de separação.

Você não acha exagerada essa tentativa de "contratualizar" o amor? Eu acho. É o que pensa também Jennifer Roback Morse, uma jovem economista, casada com um engenheiro e mãe de dois filhos (Love & Economics, Dallas: Spence Publishing Company, 2001).

A autora conhece bem os trabalhos de Becker e seus seguidores. Mas contesta-os frontalmente, sob o argumento de que o casamento é uma relação de parceria e não contratual. Quem casa sabe que terá de ir enfrentando os problemas na medida em que forem surgindo. Não dá para saber tudo o que vai acontecer para colocar em cláusulas de contratos matrimoniais.

Gostei dessa abordagem. É claro que o casamento possui um lado contratual. Mas Morse tem razão. A relação a dois é mais de parceria do que de sociedade. E parceiros não precisam especificar direitos e deveres nos seus mínimos detalhes. Eles acertam apenas os princípios gerais que presidem os relacionamentos abertos e não os detalhes legais que regem os relacionamentos fechados - duração específica, responsabilidades nos riscos, divisão dos lucros e regras de transação.

O que você acha, por exemplo, da idéia de se negociar um casamento por cinco anos, renovável por mais cinco? Absurdo, não é?

Parceiros não fazem isso, mesmo porque a continuidade e a intimidade do relacionamento a dois mudam suas vidas. Depois de 20 ou 30 anos de casados, marido e mulher não são as mesmas pessoas. E nenhum deles sabia, antes do casamento, em que direção iriam mudar.

De que forma os parceiros chegam à decisão de casar? Eles usam, primordialmente, a comunicação implícita que caracteriza os compromissos pessoais, e não a linguagem explícita que é própria dos contratos legais.

É isso mesmo. No casamento, o implícito é mais importante do que o explícito.

Por exemplo, os noivos podem escrever com todo o rigor uma cláusula contratual segundo a qual o marido se compromete a chegar em casa todos os dias às sete horas da noite para ficar com a família. Mas a presença física não é o que garante "estar com a família". Quando o marido diz à mulher "você não tem o que reclamar porque sempre chego às sete horas", ela retruca, "você sabe muito bem que não é da sua presença física que eu estou falando...", dando início a uma discussão infernal que só pode acabar com a entrada da linguagem implícita - do afeto, do carinho, da generosidade, da doação, da tolerância e do compromisso - coisas que não têm nenhum valor quando explicitadas em contratos legais.

Adorei esse livro. Gostei de ver isso vindo do raciocínio maximizador de uma economista que, aos meus olhos, se parece mais como filósofa do que como cientista. Uma economista com fortes traços de humanismo... existe isso?

As suas observações não dizem que o casamento deve ser carregado como um fardo a qualquer custo. Significam apenas que a linguagem legal não tem como reger as relações do amor. Só isso. Simples, não é?

Se é tão simples, por quê há tanta separação? Poderia ser diferente com a melhoria da linguagem legal entre as pessoas que planejaram viver juntas?

É claro que não. Essa é a tese de Morse. Por mais racional que seja o comportamento dos parceiros, nada conseguiu substituir até hoje a linguagem do amor. A "mão invisível" do mercado e a teoria do "laissez faire" - que, aliás, já vêem sendo questionadas no âmbito da própria economia - são um verdadeiro desastre quando aplicadas ao âmbito da família. Estou com essa autora e não abro... a economia tem os seus limites.