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Publicado em O Estado de S. Paulo, 16/07/2002.

A Europa do tempo livre

Tem sido freqüente a divulgação da dados à respeito da redução da jornada de trabalho em vários países da Europa. Embora a União Européia tenha estabelecido uma "jornada legal" semanal de 48 horas, são raros os casos em que isso é cumprido. A "jornada contratada" através de negociação coletiva é mais curta; a "jornada praticada" pelas empresas, é menor ainda. Ademais, está em franca expansão o trabalho flexível e o tempo parcial, o que rebaixa a média de horas trabalhadas.

Vou fugir um pouco da frieza das estatísticas para destacar um aspecto cultural que me impressiona muito. Parodiando Oscar Wilde, os europeus, de um modo geral, encararam o trabalho como uma "inevitável atividade para quem não tem nada mais interessante para fazer". Os americanos acham que "ser ocupado é muito importante", refletindo a ética protestante segundo a qual os vitoriosos na terra entrarão no Reino de Deus.

A onda pelo trabalho mais flexível e ampliação do tempo livre na Europa está indo na direção pregada por Domenico De Masi que vê os homens do futuro na era do ócio.

Os europeus são fãs da desaceleração. A França baixou a jornada semanal para 35 horas. Na Alemanha, a Volkswagen trabalha 28,8 horas. Na Holanda, 70% das mulheres trabalham em tempo parcial. Na Itália, o governo flexibilizou as horas do comércio mas poucos lojistas aderiram, argumentando que horários "puxados" traria stress para os comerciários e mau atendimento dos clientes. Raramente as pequenas e médias lojas abrem aos sábados. Durante a semana é das 9 às 12 e das 15 às 18 horas.

Os europeus estão se esforçando para encontrar uma velocidade ótima que seja boa para a vida e para o trabalho. No fundo, estão à busca da legalização da "dolce vita".

Nunca os europeus se empenharam tanto para preservar o que têm de melhor no seu estilo de vida - a deliciosa comida, as saborosas frutas, os bons vinhos, o ar puro - coisas que as recessões e as guerras afastaram da Europa por muitos anos.

Alguns dizem que, ao contrário dos europeus, os americanos trabalham muito porque a disparidade salarial é crescente e o risco de serem desempregados sem nenhum motivo é real. Outros acham que isso é devido à debilidade dos sindicatos.

O fato é que eles ficam menos tempo com a família ou em casa sem fazer nada. Os europeus estão na outra ponta. Trabalham com empenho e qualidade durante o horário estabelecido, mas saem como loucos no final da jornada para chegar em suas casas e encontrar os familiares.

Esse é o ponto interessante. Os que podem se dar ao luxo de gozar muitas horas de folga são os que há muito tempo alcançaram um alto nível de produtividade. Mas isso ocorre também com os americanos. Por que não gozam a vida?

É verdade que os americanos, trabalhando quase 2 mil horas por ano (contra 1,7 na União Européia) e com produtividade de 2% em média (contra 1% na Europa) provocaram um fantástico "boom" econômico na década de 90; equilibraram as finanças públicas; reformaram a previdência social; e reduziram o desemprego a percentuais desprezíveis.

Os resultados da União Européia foram bem mais modestos. Na maioria dos países, o crescimento foi menor; a previdência está quebrada; e o desemprego ainda é alto. Mas os europeus parecem não se importar. Eles querem trabalhar para viver, e abominam quem vive para trabalhar.

Quem está certo? O que vale ressaltar é que, nos dois casos, há um elemento comum. Durante as horas de trabalho, o trabalho é feito com grande qualidade. A união de tecnologia com a educação é que permite aos cidadãos dos dois continentes a o seu estilo de vida e dar vazão às suas manifestações culturais.

Isso vale para qualquer nação, em especial para aquelas que estão mais atrasadas na educação do seu povo. O Brasil pode seguir qualquer dos dois caminhos mas, para tanto, tem de se preparar para concorrer com quem trabalha de forma alucinada e quem trabalha de forma pausada - nos dois casos, com muita eficiência.