Palestra realizada na OAB de Recife, 21/03/2002
O que fazer com as viúvas?
O IBGE trouxe boas notícias no final de 2001. Os brasileiros estão vivendo quase 3 anos a mais do que viviam em 1991. A expectativa de vida passou de 66 anos, em 1991, para quase 69 anos, em 2000.
Essa média é puxada para cima pelas mulheres. Enquanto os homens vivem cerca de 65 anos, as mulheres vivem quase 73 – são 8 anos a mais. É uma diferença enorme!
Há outras diferenças ainda mais expressivas. Uma vez atingida a média do grupo (65 anos), os homens têm boa chance de completar 78. No caso das mulheres, as que chegam na média (73) podem chegar aos 89 anos.
O que fazem as mulheres brasileiras com tantos anos a mais de vida? De que maneira elas aproveitam a longevidade?
Os dados mostram que mais de metade (55%) das mulheres entre 65 e 70 anos não têm companheiro. Isso decorre não apenas do fato dos homens morrerem antes mas também de a maioria das mulheres viúvas não recasar.
Por que será que as viúvas recasam menos do que os viúvos? Alguns dizem que as mulheres sabem que "mudar de marido é apenas mudar de problema..."
Entre os homens dá-se o inverso. Para eles, "rei morto, rei posto". "Rainha embarcada, rainha empossada". Quando perdem a mulher, os homens não conseguem ficar sozinhos: 76% dos que têm entre 65 e 70 anos arranjam uma nova companheira, depois da viuves - em geral, mais nova.
Por quê mais nova?
Dizem as más línguas que "os homens amam com os olhos, e as mulheres com os ouvidos..."
As mulheres idosas predominam também entre as desquitadas, divorciadas e separadas. Para elas, o segundo casamento é raro.
Essas mulheres nos dão uma lição. Elas provam por a + b que "o casamento não é um flagelo inevitável..."
Uma boa parte das mulheres idosas vive só por opção. Mas não é a maioria. A maioria tem renda inferior a dois salários mínimos - quase sempre proveniente da previdência social. Não são essas as preferidas dos homens... Eles têm uma "leve" tendência por jovens mais abonadas...
Entre as famílias que ganham até 3 salários mínimos, a proporção de mulheres morando sós é de 25%.
Ou seja, no Brasil, a solidão da mulher se mistura com pobreza.
Muitos acreditam que os idosos não precisam de muita renda. Isso é falso. Os bens e serviços que eles consomem custam mais caro do que é consumido pelos jovens. Estes compram bens de massa, que baixam de preço a cada dia, como é o caso do telefone celular, do CD, do rádio de pilha, do tênis, dos jogos eletrônicos, etc. Os idosos gastam muito com medicamentos, aparelhos ortopédicos, óculos, aparelho de audição, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas cujos preços e honorários são muito altos. No fundo, a inflação do idoso é maior do que a do jovem.
As mulheres idosas são menos educadas do que os homens idosos. De acordo com o Censo de 2000, 43% das mulheres com mais de 70 anos eram analfabetas; entre os homens de mesma idade, eram 38%. Dentre as que eram mais educadas, a maioria não completou o antigo curso primário (4 anos de escola).
No que tange ao trabalho, as diferenças são também acentuadas. Entre os homens idosos (65 anos ou mais), cerca de 33% trabalham; entre as mulheres de mesma idade, são apenas 8%. Entre as idosas que trabalham, só 12% têm vínculo empregatício e proteções previdenciárias. A maioria dos domicílios chefiados por mulheres idosas depende de rendas variáveis, provenientes de atividades de ambulantes e faxineiras ou de aposentadoria própria ou pensão deixada pelo marido ou companheiro.
As mulheres que vivem sós tendem a comer mal. Não só por causa da baixa renda mas, sobretudo, pela falta de graça que encontram na solidão. Comer sozinho, dia após dia, é triste, enjoado, deprimente.
É verdade que uma parcela expressiva das mulheres idosas ainda vive dentro de famílias extensas chefiadas pelos filhos, filhas, genros ou noras.
Mas isso está mudando. A família brasileira está diminuindo de tamanho e mudando de função. São menos filhos e menos netos. Por outro lado, cresce a cada dia a proporção de filhas e noras que trabalham fora de casa.
Dizem que "a mulher liberada é aquela que teve sexo antes do casamento e um emprego depois disso... e para o resto da vida"
Filhas e noras têm um papel estratégico para a mulher. Tradicionalmente, eram elas que cuidavam dos idosos. Com a sua saída de casa, a família perdeu a antiga capacidade de zelar pelos mais velhos.
É irônico. As mulheres que sempre cuidaram de toda família, hoje em dia, quando chegam na velhice, não têm quem cuide delas.
Para muitas famílias, o quadro chegou a se inverter: são as mães e sogras idosas que têm de cuidar dos netos enquanto suas mães trabalham fora.
A sina da mulher idosa no Brasil é a de ficar sozinha ou cuidar de parentes, sem a ajuda do homem. Isso vale também para a mulher mais jovem, a mãe solteira, a que é largada pelo marido, a que teve filho de um homem casado, noivo, namorado, ou, francamente, do malandro profissional.
"Dizem que os homens são mais pontuais com a prestação do carro do que com a pensão alimentícia da ex-mulher... ou da mãe de seus filhos..."
Em outras palavras, na maior parte das vezes, a mulher idosa é solitária ou sobrecarregada. Sim, porque quando vivem com parentes, continuam assumindo a responsabilidade de cuidar dos mais jovens. Para as avós, ficam as tarefas de arrumar a casa, cuidar da roupa de toda a família, fazer a comida, lavar a louça, assistir os doentes e educar as crianças. Muitas vezes, os netos também são ocupados. Os maiores trabalham durante o dia e estudam à noite. Os menores, quando a renda é mais alta, vão à escola regular e aos vários cursos paralelos (natação, balé, inglês, etc.). Ou seja, a idosa fica em casa sozinha e com uma longa lista de trabalhos a cumprir.
A essa altura, a saúde das idosas já não é a mesma. As deficiências físicas, sensoriais e mentais aumentam com a idade. Entre as mais velhas, são freqüentes as cardiopatias, a cegueira, a paraplegia e os problemas mentais, em especial, o mal de Alzaheimer.
Essa tem sido a trajetória das mulheres idosas do Brasil. Elas passam três quartos da vida preparando a felicidade dos outros. E erram ao supor que gozarão essa felicidade nos últimos anos de suas vidas... ". "Os prazeres são para a mocidade; as alegrias para a meia-idade; e a bem-aventurança para a velhice...".
Falando sério, a solidão é um dos sentimentos mais apavorantes. Por mais paradoxal que possa parecer, a solidão nunca vem só. Vem sempre acompanhada. Nem por isso consegue preencher o vazio que provoca.
Suas companhias são perversas. É o caso da negligência que ocorre quando, ao idoso, não é dada a devida atenção para as suas necessidades básicas como a alimentação, a higiene pessoal, os medicamentos, a roupa limpa, a segurança.
É o caso também da falta de respeito para quem já não ouve bem, enxerga com dificuldade, caminha se apoiando. Tudo isso transforma os idosos em fardos para a família. É por isso que eles são isolados.
Cair numa cama, dentro de um quarto isolado, sem visitas e sem esperança, é o pior de todos os males. Gente solitária sofre mais do que gente doente. Pessoas abandonadas são mais tristes do que pessoas apaixonadas pela vida. É isso que leva muitos idosos a pedir para dormir hoje, e não acordar amanhã.
Nos países mais ricos, os asilos e casas de repouso de boa qualidade chegam a dar um bom amparo físico aos idosos. Mas raramente proporcionam o conforto emocional.
Pedro Demo diz que o "o maior castigo do ser humano não é morrer, mas envelhecer". E eu acrescentaria, especialmente para as mulheres do Brasil.
A solidão é dura. O Natal, a Páscoa, o Dia das Mães, o dia do aniversário, a data de casamento, o Dia da Mulher e outros são ocasiões de festa para quem consegue interagir. Para quem vive na solidão, é um penoso tormento.
Dizem que quando há saúde física, a solidão é contornável. Pura ilusão. O gosto pela vida diminui bastante quando se é esquecido na velhice. O ser humano é iminentemente gregário.
Aqui é que moram os desafios do futuro. A população com mais de 65 anos cresce de forma acelerada. Em 1980, o Brasil tinha 10 idosos para cada 100 crianças; em 1991, esse número saltou para 17 para 100; e no ano 2000, para 20 por 100 crianças. Segundo os demógrafos, o tamanho da população com mais 65 anos vai dobrar até o ano 2025. E, novamente, a maioria será composta por mulheres.
A população feminina está chegando a idades bem avançadas. Em 1980, 18% das mulheres morriam com mais de 85 anos. Hoje, são 26%.
O Brasil têm 24.576 cidadãos com mais de 100 anos – cerca de 60% são mulheres. A dona de casa Rita de Menezes da Silva, moradora de Tatuí (São Paulo), em 2001, completou 113 anos, podendo ser a mulher mais velha do mundo.
Ao ser perguntada sobre como se pode viver tanto, dona Rita respondeu: "é muito simples, continue respirando...".
No Brasil, ao longo da década de 90, houve um crescimento colossal do número de famílias chefiadas por mulheres. Hoje são mais de 11 milhões de domicílios, ou 25% do total. Em 1991, eram 18%.
Mas as mulheres de hoje brilham tanto na escola como no trabalho. Isso pode ser o início da construção de um outro futuro para as idosas de amanhã. A mulher está se tornando ainda mais forte. Mais instruída. E mais decidida.
O rendimento escolar das meninas brasileiras é superior ao dos meninos. No primeiro grau, a taxa de aprovação feminina é de 81%; a masculina, 78%. No segundo grau, 88% para as mocinhas e 80% para os rapazes.
Entre os que têm curso universitário incompleto, 55% são mulheres e 45% são homens. No caso de curso completo, as mulheres superam os homens - de 51% para 49%.
Nos últimos 15 anos, entraram no mercado de trabalho do Brasil mais de 12 milhões de mulheres. Em 2001, 60% das vagas criadas no mercado formal foram preenchidas por mulheres.
O trabalho da mulher fora de casa vem sendo estimulado pela demanda do mercado e pelo crescimento da sua competência profissional que decorre, em grande parte, da melhoria educacional. Em 1991, a proporção de trabalhadoras que tinham o segundo grau completo era de 21%; em 2000, mais de 26%.
Para a maioria dos casos, os salários das mulheres brasileiras são cerca de 25% menores do que os homens - para a mesma jornada de trabalho e com o mesmo nível educacional. Essa diferença vem diminuindo ano a ano.
O poder de compra das mulheres cresce de forma acelerada. Por exemplo, no período de 1995-00, as vendas de cosméticos e perfumes sofisticados aumentaram 70%, sendo que a maior parte desse crescimento se deu nas camadas de renda mais baixa, através de compras a domicílio.
As mulheres da atualidade consomem também alguns produtos caros. No Brasil, elas compram um terço dos automóveis pequenos e médios.
O crescimento das mulheres que têm previdência privada tem sido da ordem de 4% a 5% ao ano. Na maior parte das seguradoras, as mulheres já somam 1/3 da clientela. São mulheres que começam a comprar um novo tipo de vida no futuro.
O século XXI tem pela frente a monumental tarefa de criar instituições para articular as gerações. Os jovens terão de apreender a usar a visão, a intuição e a temperança dos idosos. A complementaridade da energia da juventude com a sabedoria da velhice poderá trazer boas surpresas para a sociedade humana. Isto depende de acertos e erros, e de um paciente aprendizado a ser realizado ao longo de várias décadas.
O futuro é um novo tempo que encontrará uma nova mulher no Brasil. Ela será mais independente. Terá mais condições de garantir suas necessidades básicas. Contará com a autonomia de poder viver sua vida e desfrutar do amor de seus familiares.
Essa mudança não será instantânea. Vai demorar algum tempo. Talvez, umas duas ou três gerações. E nem vai liberar todas as mulheres ao mesmo tempo. As disparidades de renda continuarão separando os segmentos incluídos dos excluídos. Mas a trajetória é ascendente. O Brasil não é o Brasil da minha juventude. E nem o Brasil dos meus sonhos. Mas será o Brasil do possível para se chegar a uma realidade mais justa e, para as mulheres, sobretudo, mais humana.
Bibliografia
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