Publicado no Jornal da Tarde, 12/06/2002.
Suicídio por dever
Nestes tempos de Copa do mundo, estamos vendo na televisão um Japão festivo e com torcedores animados pelas realizações do futebol japonês que é um dos esportes mais novos naquele país.
Mas o Japão passa por uma prolongada crise, que já dura dez anos. É rara a semana em que não há um suicídio de um japonês que se mata por ter vergonha de não poder honrar suas dívidas. Os casos mais comuns são de pessoas que se jogam na frente dos trens ou se enforcam em quartos de hotéis.
É um quadro triste. Em 2001, 30 mil japoneses se suicidaram, contra uma média de 18 mil, registrada nos anos 80. Com isso, o Japão detém a mais alta taxa de suicídio do Grupo dos Sete - os países mais ricos do mundo. São pessoas de 40 a 60 anos que acabam com a vida por não agüentar a pressão de viver endividadas. Algumas tomaram empréstimos para comprar sua casa, nos idos dos anos 80, quando o trabalho era abundante e a renda era certa. Hoje, essa faixa etária concentra um enorme grupo de desempregados, sem perspectiva de arrumar trabalho. Outras pessoas possuem dívidas múltiplas, oriundas de compras a crédito de aparelhos domésticos, automóveis e outros bens duráveis.
Nos Estados Unidos, é normal para um devedor simplesmente declarar sua falência, deixando o problema para o credor. Na cultura japonesa, a bancarrota é vista como um crime contra o credor. É isso que explica a atual onda de suicídio epidêmico naquele país.
Uma recente pesquisa mostrou que, entre pessoas de 30 a 49 anos em New York e Londres, a mais alta prioridade é viver bem com sua família. Para os japoneses de Tóquio, essa proporção é de apenas 7% - tamanha é a preocupação com o emprego.
Quando indagados sobre a satisfação com a sua situação de trabalho, em New York e Londres, 43% e 35%, respectivamente, declaram-se extremamente satisfeitos. Em Tóquio são só 7%. Para 29% dos japoneses, essa falta de trabalho é causa de profundo stress, contra 11% e 20% dos nova-iorquinos e londrinos, respectivamente (Japan Institute of Labor, Boletim no. 20, maio de 2002).
Essa foi uma grande virada para um país que se caracterizou, durante décadas, pela estabilidade de emprego de uma grande parcela da força de trabalho e por uma sólida confiança no futuro das empresas.
O Japão sempre teve uma cultura de consenso, marcada pela colaboração entre empregados e empregadores. Nos momentos de dificuldade, as empresas reduziam a remuneração de seus diretores e acionistas. Se a crise continuasse, diminuíam os bônus dos empregados mas, raramente, os despediam. Se nada resolvia, as empresas faziam rotação dos empregados para outros setores e até mesmo para outras empresas. A dispensa era coisa impensável nesse segmento.
A recessão prolongada parece estar conseguindo destruir esses padrões culturais que, no fundo, foram cruciais para a alta produtividade dos trabalhadores japoneses. Muita coisa está mudando. As empresas estão despedindo. As famílias procuram terapeutas para deter a inclinação suicida de seus chefes e filhos adultos. O governo aumenta os recursos para o seguro-desemprego que, atualmente, atendem 11% da força de trabalho. As seguradoras restringem o benefício aos familiares em caso de suicídio.
São todas medidas paliativas que pouco efeito terão para corrigir um problema que afeta a economia do país. O melhor remédio, sem dúvida, é a volta ao crescimento econômico.
A crise japonesa mostra mais uma vez que a geração de empregos depende da ação conjugada de três ingredientes: crescimento econômico, educação e legislação flexível. Não adianta ter uma parte deles. É preciso ter os três - ao mesmo tempo. No Japão há educação e legislação flexível mas não há crescimento - e o desemprego passou dos 5%. Na maioria dos países da União Européia, há crescimento e educação mas não há legislação flexível - o desemprego esbarra nos 9%.
E no Brasil? Infelizmente estamos mal nos três ingredientes. Não é a toa que temos 7,5% dos brasileiros desempregados, 60% trabalhando na informalidade e mais de 15% na inadimplência em relação às suas contas. Ainda bem que o suicídio não está nos planos dos nossos devedores...
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